Até meados do século XX, o esquecimento era algo inerente à natureza humana, visto que a memória do homem é um recurso inevitavelmente limitado, tanto em relação à quantidade de informações armazenáveis quanto ao tempo de armazenamento. Assim, durante a maior parte da história do desenvolvimento humano, a regra era o esquecimento.

Contudo, esse paradigma começou a mudar com o surgimento dos computadores, equipados com uma “memória artificial” muito mais desenvolvida e potente do que a memória biológica do ser humano e que permite armazenar uma enorme quantidade de informações, sem limitação temporal.

Além disso, com o desenvolvimento e a proliferação da Internet, passou a ser possível compartilhar informações em escala mundial de forma instantânea. Ou seja, se antes as informações permaneciam confinadas em dispositivos pessoais, agora elas são compartilhadas com o mundo todo, circulando livre e eternamente pela rede e podendo ser copiadas ou replicadas por qualquer usuário que a elas tenha acesso.

Esse desenvolvimento tecnológico permite afirmar que, uma vez veiculadas, as informações passam a circular ad eternum na rede informacional. Dessa forma, a regra deixou de ser o esquecimento e passou a ser o registro de todos os fatos, dados e informações, caracterizando assim uma sociedade de “lembrança total”, como definem Afonso Carvalho de Oliva e Marco A. R. Cunha e Cruz no artigo Um Estudo do Caso Xuxa Vs. Google Search (REsp 1.316.921): O Direito ao Esquecimento na Internet e o Superior Tribunal de Justiça.

Nesse cenário, ressurge a importante discussão sobre o “direito ao esquecimento”, isto é, o direito da personalidade que garante aos indivíduos a prerrogativa de que determinados fatos, dados e informações acerca da sua pessoa não sejam lembrados contra a sua vontade.

No entanto, por envolver um conflito entre direitos fundamentais, o reconhecimento do direito ao esquecimento está longe de ser uma unanimidade. Nesse sentido, é possível identificar três correntes principais acerca do tema:

  • A primeira defende que o direito ao esquecimento não poderia ser reconhecido em nenhuma hipótese, sob o argumento de que isso implicaria grave e inaceitável violação a direitos fundamentais, como o direito à informação (artigo 5º, inciso XIV da Constituição Federal), liberdade de expressão (artigos 5º, inciso IV e 220 da Constituição Federal) e liberdade de imprensa (artigo 220, §1º da Constituição Federal).

  • A segunda corrente, por sua vez, defende que o direito ao esquecimento deveria sempre ser reconhecido, uma vez que decorreria direta e necessariamente dos direitos fundamentais à privacidade, intimidade, imagem e honra (artigo 5º, inciso X da Constituição Federal), bem como da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III da Constituição Federal).

  • Por fim, a terceira corrente, defendida pela maior parte da doutrina e da jurisprudência, adota um posicionamento mais neutro, segundo o qual nenhum direito fundamental é absoluto, de modo que, em caso de conflito, deve-se realizar uma ponderação entre eles para determinar qual deverá prevalecer em um determinado caso concreto.

Outra discussão bastante frequente entre aqueles que reconhecem o direito ao esquecimento se refere à pessoa contra quem esse direito pode ser oponível. Com a criação das ferramentas de busca, como Google, Yahoo e Bing (que localizam, catalogam e indexam dados), informações antes acessíveis apenas às pessoas com conhecimento específico da URL de determinado site hoje estão ao alcance de um imenso público, em questão de segundos. Diante disso, quem seria o responsável por apagar as informações indesejadas? Apenas aqueles que publicaram e mantêm a informação no ambiente digital ou também os provedores de pesquisa que facilitam (ou até mesmo possibilitam) o seu acesso?

De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no emblemático caso Xuxa Vs Google (Recurso Especial n. 1.316.921 – RJ (2011/0307909-6), os provedores de pesquisa não poderiam ser responsabilizados pelas informações publicadas por terceiros, uma vez que agem como “meros fornecedores de meios físicos, que servem apenas como intermediários, repassando mensagens e imagens transmitidas por outras pessoas e que, portanto, não as produziram nem sobre elas exerceram fiscalização ou juízo de valor, não podendo ser responsabilizados por eventuais excessos e ofensas à moral e à honra de outros”, numa citação do artigo Tratado de Responsabilidade Civil, de Rui Stocco.

Desse modo, o STJ entendeu que, caso deseje retirar da Internet conteúdo que considere violador de seus direitos, o usuário deve buscar diretamente o provedor da informação, ou seja, aquele que publicou/mantém a informação.

Vale ressaltar ainda que, embora esse julgado seja de 2012 e, portanto, anterior ao Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), esse permanece sendo o entendimento atual do STJ, conforme reiterado no AgInt no Recurso Especial nº 1.593.873 – SP, julgado em novembro de 2016. De acordo com a interpretação do STJ: “O Marco Civil da Internet dispôs apenas parcialmente quanto ao direito ao esquecimento, uma vez que seu artigo 7º, I e X, prevê [apenas] a prerrogativa do particular solicitar, independentemente de justificativa, a exclusão daqueles dados pessoais que ele próprio haja fornecido ao provedor de aplicação de Internet”.

Assim, mesmo após a promulgação do Marco Civil da Internet, o posicionamento atual do STJ é de que o direito ao esquecimento deve sim ser reconhecido em algumas hipóteses, a depender da situação específica, como forma de proteger os direitos à privacidade, intimidade, imagem, honra e dignidade. Não obstante, de acordo com o entendimento do STJ, hoje não existem fundamentos normativos no ordenamento jurídico brasileiro capazes de imputar aos provedores de pesquisa a obrigação de implementar o direito ao esquecimento, devendo essa obrigação recair única e diretamente sobre aqueles que mantêm a informação no ambiente digital.