Em meio ao cenário instaurado pelo coronavírus (covid-19) e o enfoque dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) às ações voltadas ao tema, o Plenário da Corte decidiu recentemente, em sessão virtual, que o depósito recursal é desnecessário para a admissão do recurso extraordinário.

Instituído em 1968, o depósito recursal é exigido da parte ré – usualmente os empregadores – no ato de interposição de seus recursos. A quantia é limitada ao valor da condenação e aos tetos fixados anualmente pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) – o que for menor. Apesar de ser um requisito de admissibilidade dos recursos, o depósito não representa uma taxa judicial, mas sim um valor destinado à garantia da condenação – isto é, ele será revertido para o pagamento do débito trabalhista ao fim do julgamento e, caso a ação seja julgada improcedente, devolvido à ré.

Sobre o caso analisado pelo STF, uma telefonista ajuizou reclamação trabalhista contra uma empresa de telecomunicações, vindicando diversos direitos. A reclamação alcançou o TST, que acabou por negar o seguimento do recurso extraordinário interposto pela ré para o STF, ante a ausência da comprovação do recolhimento do depósito recursal para tanto. Diante de tal negativa, a parte ré interpôs agravo de instrumento, forçando a análise do recurso pelo Supremo.

Ao analisar a questão, os ministros do STF aprovaram a seguinte tese de repercussão geral – vinculando as demais instâncias e tribunais: “Surge incompatível com a Constituição Federal exigência de depósito prévio como condição de admissibilidade do recurso extraordinário, no que não recepcionada a previsão constante do § 1º do artigo 899 da Consolidação das Leis do Trabalho, sendo inconstitucional a contida na cabeça do artigo 40 da Lei nº 8.177/1991 e, por arrastamento, no inciso II da Instrução Normativa nº 3/1993 do Tribunal Superior do Trabalho”.

Em seu voto, ainda pendente de divulgação, o relator, ministro Marco Aurélio de Melo, asseverou que a exigência foge à razoabilidade, uma vez que a lei não pode condicionar o acesso ao Poder Judiciário a depósito prévio. Em suas palavras: “Para a interposição de recurso ao Supremo, não se pode cogitar de pagamento de certo valor”, frisando serem garantias constitucionais o acesso à Justiça e à ampla defesa.

O ministro destacou ainda a jurisprudência do STF que, em casos análogos, também decidiu pela incompatibilidade entre a exigência de depósito prévio e as diretrizes acima mencionadas da Constituição Federal, reforçando a peculiaridade e a relevância do recurso extraordinário para a preservação das garantias constitucionais.

Não são novas as discussões sobre o depósito recursal na Justiça do Trabalho, suas consequências e, principalmente, sua exigibilidade em conformidade com os dispositivos da Carta Maior, considerando-se justamente os fundamentos invocados pelo STF. Entretanto, a recente decisão acaba por reacendê-las, mais ainda quanto ao seu alcance e seus reflexos nos demais recursos trabalhistas.

Nesse sentido, apesar de a decisão se referir expressamente ao recurso extraordinário, vê-se que a tese de repercussão geral dá margem, a princípio e em uma interpretação literal, a uma extensão dos seus efeitos – a se confirmar com a disponibilização do acórdão e seus termos – ou, ao menos, a um forte fundamento para que se discuta a imposição do depósito recursal aos demais recursos nas ações trabalhistas.

A questão tem extrema relevância se considerado o comprometimento do caixa das empresas – atualmente os depósitos recursais têm como limite os valores de R$ 9.828,51 e R$ 19.657,02, dependendo do recurso – sobretudo nos casos de entidades sem fins lucrativos, empregadores domésticos, microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte, mesmo que, para tais pessoas, a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/17) tenha reduzido aquelas quantias à metade.

Segundo o balanço patrimonial realizado pela Caixa Econômica Federal – entidade competente para a custódia desses valores – os depósitos recursais e judiciais somavam aproximadamente R$ 90 bilhões no primeiro trimestre de 2020. Sem esquecer as condenações que esses depósitos se prestam a garantir, os valores, sem dúvida, fazem falta aos empregadores, especialmente considerando a crise econômica prevista em decorrência da pandemia do novo coronavírus.

Aos que se posicionam contra o fim do depósito recursal, vale lembrar que o direito processual fornece outras ferramentas capazes de garantir uma futura execução da condenação. Portanto, não é justificável, tampouco razoável, vincular e limitar o acesso à Justiça à antecipação do cumprimento, parcial ou integral, da pena – que, aliás, mediante a apresentação do recurso, ainda estará em discussão.

De todo modo, a questão está longe de ser pacífica, principalmente pelo fato de o STF ter proferido sua decisão em análise específica sobre a exigibilidade do depósito recursal à interposição do recurso extraordinário. Por essa razão, o não recolhimento dos depósitos recursais deve ser ponderado com as devidas e máximas cautelas.