Apesar dos argumentos sobre a impossibilidade de implementar alterações na forma de custeio do sistema sindical por ato da Presidência da República, ainda não houve um pronunciamento do STF nas nove ações diretas de inconstitucionalidade propostas até agora sobre o tema.[1] Março vai chegando ao fim, e a Medida Provisória 873 (MP 873) continua valendo.

Nesse cenário de incerteza e com a proximidade do fechamento das folhas de pagamento do mês, as empresas vivem o dilema de descontar ou não valores dos salários dos trabalhadores que tenham concordado com o pagamento da contribuição sindical (ou não apresentado oposição ao pagamento).

Em uma análise abstrata, a MP 873 não deixa dúvidas: o pagamento da contribuição sindical deve ser feito exclusivamente via boleto bancário. Porém, em situações concretas, há várias dúvidas quanto aos efeitos da MP 873:

1) Autorização individual: ratificação ou alteração da Reforma Trabalhista

Antes da edição da MP 873, havia divergência sobre a melhor interpretação do conceito de “autorização prévia e expressa” como condição para o pagamento das contribuições.

Na visão dos sindicatos, as decisões proferidas em assembleia eram soberanas, de modo que, se autorizadas coletivamente, as contribuições deveriam ser compulsoriamente pagas por todos os integrantes da categoria representada. Para outros, no entanto, a autorização deveria ser individual e positiva, de modo que nem mesmo a dinâmica da oposição ao pagamento da contribuição seria válida.

Apesar de o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (Anamatra) terem aderido à tese dos sindicatos,[2] várias decisões conflitantes vinham sendo proferidas pela Justiça do Trabalho.

Nesse contexto, a edição da MP 873 pareceu ter como objetivo encerrar essa discussão, deixando claro que a autorização tem de ser individual e deve ser manifestada de maneira prévia, voluntária e por escrito. No entanto, ela não encerrou a dúvida em relação a contribuições aprovadas antes de março de 2019.

Há quem argumente que a MP 873 veio apenas ratificar o modelo trazido pela Reforma Trabalhista. Segundo essa tese, a intenção da lei era estabelecer a necessidade de autorização individual para o pagamento das contribuições sindicais já a partir de novembro de 2017.

Para outros (em especial, os sindicatos), ao alterar a lei, a MP 873 reconheceu que a Reforma Trabalhista permitia a autorização coletiva. Eles argumentam, assim, que as contribuições aprovadas coletivamente antes de 1º de março devem ser pagas por todos os integrantes da categoria representada (ou aqueles que não tenham apresentado oposição).[3]

2) Forma de pagamento

Nessa divergência também relacionada à vigência da MP 873, questiona-se a forma pela qual devem ser feitos os pagamentos das contribuições aprovadas antes de 1º de março de 2019.

Há quem afirme que o novo texto proíbe terminantemente o desconto em folha salarial e que, portanto, as contribuições devem ser pagas via boleto bancário, ainda que aprovadas antes de março de 2019.

Outros defendem ser inegável que a MP 873 alterou a sistemática de desconto em folha (mantida, inclusive, pela Reforma Trabalhista). Assim, afirmam que, para contribuições aprovadas antes da MP 873, os pagamentos deveriam ser feitos à moda antiga, descontando-se os valores dos salários dos trabalhadores.

3) Contribuições estabelecidas após a MP 873

Para contribuições aprovadas em data posterior a 1º de março de 2019, a MP 873 é clara: pagamento mediante autorização individual, via boleto bancário.

Nesse ponto, a nova redação do artigo 579 da CLT atesta de maneira direta que não são permitidas autorizações tácitas (como na conhecida mecânica de oposição ao pagamento, por exemplo) e que são nulas cláusulas de norma coletiva e aprovações em assembleia ou estatuto sindical que declarem obrigatório o pagamento de contribuições a todos os integrantes da categoria representada.

Porém, ao tratar sobre a forma de pagamento das contribuições, o novo artigo 582 da CLT não faz essas ressalvas. Com base nessa omissão, é possível questionar se as normas coletivas teriam a prerrogativa de restabelecer o modelo de desconto em folha salarial, com fundamento no princípio da prevalência do negociado sobre o legislado.

4) Contribuições dos sócios do sindicato

O artigo 579-A da CLT, também trazido pela MP 873, afirma que podem ser exigidas dos filiados do sindicato todas as contribuições sindicais aprovadas por norma coletiva, estatuto ou assembleia, além da mensalidade sindical.

Em outras palavras, o ato de associação ao sindicato seria entendido como uma forma de autorização individual necessária para o pagamento das contribuições.

A dúvida paira sobre os desdobramentos da inadimplência por parte do filiado.

Partindo da premissa de que todas as contribuições, inclusive as mensalidades, devem ser pagas via boleto bancário, estariam os sindicatos autorizados a acionar judicialmente os seus filiados? Ou o inadimplemento seria a reconsideração individual do integrante da categoria em se desassociar e, em consequência, desautorizar o pagamento das contribuições?

Como se nota, há dúvidas bastante relevantes sobre a aplicação da MP 873, que estão longe de serem sanadas.

Em princípio, pode-se concluir que a MP 873 veio ratificar a Reforma Trabalhista e que a intenção do legislador era mesmo de, a partir de novembro de 2017, tornar o pagamento de contribuições aos sindicatos uma decisão pessoal e positiva (e não negativa, por oposição) dos integrantes das categorias representadas.

Do mesmo modo, o texto da MP leva a entender que o pagamento das contribuições deve ser sempre feito via boleto bancário, ainda que elas tenham sido aprovadas antes da MP. Trata-se tão somente da forma de operacionalização do pagamento e não da constituição, em si, das contribuições como direito.

A exposição de motivos da MP 873 demonstra ser esse o entendimento da Presidência da República. Porém, é de se reconhecer que há fortes argumentos de todos os lados.

É tão certo que haverá decisões reconhecendo a possibilidade de aprovação coletiva de contribuições antes de março de 2019 com base na própria MP 873 quanto que a omissão do artigo 582 da CLT (pagamento via boleto versus norma coletiva autorizando o desconto em folha salarial) não passará desapercebida.

De toda forma, é fato que, a partir de março de 2019, todas as contribuições devem ser autorizadas individualmente e, na ausência de norma coletiva em sentido contrário, não haverá dúvidas de que o pagamento deverá ser feito via boleto bancário. Pelo menos enquanto a MP 873 estiver valendo.[4]


[1] Foram proferidas algumas liminares suspendendo os efeitos da MP 873 em favor de alguns sindicatos, mas não se tem notícia de decisões com aplicação em âmbito nacional.

[2] Enunciado 24 da Câmara de Coordenação e Revisão do MPT.

[3] As centrais sindicais circularam uma “nota orientadora” afirmando que as mensalidades associativas e contribuições aprovadas antes de março de 2019 devem ser mantidas, inclusive com desconto em folha salarial. A nota menciona ainda a possível propositura de “ações coordenadas, caso haja resistência patronal para sua efetivação”.

[4] As medidas provisórias têm vigência máxima de 120 dias. Caso não sejam aprovadas pelo Congresso Nacional, perdem sua validade e retomam-se os textos legais originais (se tiverem como objeto alterações de lei). A MP 873 recebeu 513 propostas de emenda.