Desde a edição da Lei nº  9.732/98, vige a regra de cancelamento automático da aposentadoria especial no caso de trabalhador que labore em ambiente nocivo, prevista no §8°[1] do art. 57 da Lei nº 8.213/91.

A aposentadoria especial é um benefício previdenciário concedido pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) ao trabalhador que contribuiu por 15, 20 ou 25 anos, em razão do desempenho de atividades expostas a agentes nocivos à saúde, de forma contínua e ininterrupta, em níveis acima dos limites estabelecidos na legislação. De acordo com dados do INSS, mais de 2 mil aposentadorias especiais foram concedidas no Brasil no mês de julho deste ano.

Mesmo diante da incompatibilidade da prestação de serviços em ambiente nocivo com o recebimento do benefício decorrente da aposentadoria especial, muitos trabalhadores seguem laborando em atividade nociva, o que sempre foi objeto de discussão no Poder Judiciário.

Para pôr fim à essa controvérsia, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a previsão contida no §8° do art. 57 da Lei nº 8.213/91 é constitucional, conforme acórdão publicado em 19 de agosto de 2020, nos autos do Recurso Extraordinário nº 791.961, com repercussão geral (Tema 709).

A decisão foi proferida após a interposição de recurso extraordinário pelo INSS em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no qual havia sido afastada a incidência do art. 57, §8° da Lei nº 8.213/91, sob o argumento de que implicaria impedimento ao livre exercício do trabalho. Reivindicava-se, portanto, que fosse mantido o pagamento de benefício previdenciário decorrente de aposentadoria especial a profissional da área de enfermagem que tinha contato permanente com agentes nocivos biológicos.

O STF, por maioria de 7 votos a 4, decidiu que o trabalhador que seguir laborando em condições nocivas sofrerá a suspensão de seu benefício auferido em decorrência da aposentadoria especial.

O fundamento principal utilizado pelo ministro Dias Toffoli, relator do caso, ao sustentar a incompatibilidade da realização de atividade em ambiente nocivo à saúde com a percepção da aposentadoria especial, foi de que o legislador, ao conferir ao trabalhador a aposentadoria antecipada por trabalho em ambiente nocivo de forma presumida, pretendeu retirá-lo do ambiente insalubre e prejudicial à sua incolumidade física.

De acordo com o ministro, permitir o retorno ao trabalho especial ou a sua continuidade após a obtenção da aposentadoria seria “desarrazoado, ilógico e flagrantemente contrário à ideia que guiou a instituição do benefício”.

O ministro relator também destacou que o aposentado na modalidade especial não está impedido de trabalhar em outras atividades, de modo que, caso volte a atuar em ambiente nocivo por escolha, já que não há proibição nesse sentido, terá seu benefício suspenso. Por esse motivo, não haveria que se falar em impedimento ao livre exercício do trabalho nem em violação ao art. 5°, XIII[2], da Constituição Federal.

Caso o empregador tenha conhecimento de que o trabalhador passou a receber benefício de aposentadoria especial e não possa transferi-lo para atividade fora de ambiente nocivo – o que não se trata de obrigação do empregador e tampouco requer prova da impossibilidade de transferência – a escolha em manter as atividades em ambiente nocivo é do empregado. Se o trabalhador decidir manter o benefício mesmo realizando as atividades em ambiente nocivo, a empresa está autorizada a rescindir o contrato de trabalho, não fazendo jus o empregado à multa de 40% de FGTS e ao aviso-prévio indenizado.

O entendimento majoritário do Tribunal Superior do Trabalho,[3] nos casos de extinção do contrato de trabalho por recebimento de aposentadoria especial, que decorre da lei e não por iniciativa do empregador, é que o trabalhador não terá direito às parcelas decorrentes da rescisão imotivada, no que se incluem a multa de 40% sobre o FGTS e o aviso prévio indenizado.

Essa hipótese específica de rescisão contratual por parte do empregador é uma exceção à regra instituída após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.170, por meio do qual o STF firmou entendimento de que a aposentadoria espontânea não acarreta a extinção do vínculo empregatício.

Isso porque, considerando esse entendimento, a declaração de inconstitucionalidade do §1° do art. 453 da CLT[4] e o cancelamento da Orientação Jurisprudencial nº 177 da SDI-I do Tribunal Superior do Trabalho[5], a aposentadoria especial é incompatível com a manutenção do vínculo empregatício no caso de continuidade de realização das atividades laborais em ambiente nocivo.

A Lei nº 8.213/91 não prevê nenhuma penalidade ao empregador que mantém ativo contrato de trabalho com empregado que receba o benefício decorrente da aposentadoria especial e continue trabalhando em ambiente nocivo. Até o momento, não foram localizadas decisões nas quais tenha havido aplicação de sanção em face do empregador por esse motivo.

A legislação vigente prevê penalidade apenas ao trabalhador que continue laborando em ambiente nocivo. Isso porque, além de o empregado ter seu benefício suspenso, o INSS também poderá cobrar do trabalhador valores auferidos enquanto se ativou nessas condições, nos termos do art. 255[6] da Instrução Normativa nº 77/15, do INSS. A legitimidade para tal cobrança por parte do INSS foi reiterada pelo ministro Dias Toffoli em seu voto no acórdão do Recurso Extraordinário nº  791.961. Ele aduziu que a cobrança é retroativa, devendo se dar da data da concessão do benefício nos casos em que haja manutenção da atividade em ambiente nocivo.


[1] § 8º  Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta Lei.

[2] “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

[3] Processo TST-RR-11373-07.2014.5.15.0095

[4] “Na aposentadoria espontânea de empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista é permitida sua readmissão desde que atendidos aos requisitos constantes do art. 37, inciso XVI, da Constituição, e condicionada à prestação de concurso público”.

[5] “A aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho, mesmo quando o empregado continua a trabalhar na empresa após a concessão do benefício previdenciário. Assim sendo, indevida a multa de 40% do FGTS em relação ao período anterior à aposentadoria”.

[6] “Os valores indevidamente recebidos deverão ser devolvidos ao INSS, na forma dos arts. 154 e 365 do RPS”.