O seguro de responsabilidade civil de administradores – ou Seguro D&O – teve passou a ser adotado no Brasil na década de 1990, ainda de forma muito incipiente, e foi ganhando relevância ao longo do tempo, com as transformações da economia brasileira, especificamente as políticas de desestatização no âmbito federal e a comercialização de títulos e valores mobiliários de empresas brasileiras no exterior. Porém, nunca se falou tanto no seguro D&O como atualmente. Os números publicados no site da Susep mostram que a sinistralidade desse tipo de seguro saiu de aproximadamente R$ 38 milhões em 2013 para R$ 228 milhões em 2017 e, até agosto deste ano, já somava R$ 148 milhões.

Em paralelo, de acordo com o relatório da atividade sancionadora da CVM (abril-junho 2018), foram pagos R$ 73 milhões em multas impostas pela CVM no primeiro semestre de 2018. Dos julgamentos realizados pela autarquia no mesmo período, 130 acusados foram multados, 6 advertidos e 5 inabilitados, em comparação com 107 multados, 9 inabilitados e 7 advertidos em todo o ano de 2017.

Esse cenário se deve, sem dúvida, aos diversos escândalos de corrupção surgidos no Brasil no período, como a Operação Lava Jato (iniciada em 2014) e todos os seus desdobramentos, a Operação Zelotes (iniciada em 2015) e a Operação Carne Fraca (iniciada em 2017), que geraram consequências cíveis e penais para as companhias e seus administradores.

É importante ainda destacar que, no ano de 2017, a Susep editou uma nova norma regulamentando o seguro D&O, a Circular Susep nº 553/2017, a qual incluiu a possibilidade de cobertura para multas e penalidades cíveis e administrativas impostas aos segurados. No mesmo ano, foi promulgada a Lei nº 13.506/2017, que elevou o teto de multas aplicáveis pelo Bacen e pela CVM (neste último caso, para R$ 50 milhões).

Nesse contexto, o seguro D&O e os contratos de indenidade ganharam novamente enorme destaque e têm sido um importante instrumento de proteção de executivos, pois, com o incremento da fiscalização e da supervisão por parte dos órgãos governamentais e, consequentemente, o aumento da aplicação de sanções cíveis e penais, foi necessário estabelecer mecanismos para mitigar eventuais impactos em seus patrimônios.

Os contratos de indenidade são instrumentos particulares celebrados entre as companhias e seus administradores com o objetivo de mantê-los indenes de responsabilidade por terem tomado suas decisões de boa-fé e no interesse da companhia. Assim, para isentar-se de responsabilidade, o administrador deve se informar, questionar, não agir em situação que configure ou possa configurar conflito de interesse, e atuar sempre dentro dos limites dos seus poderes legais e estatutários.

Por sua vez, os seguros D&O, via de regra, são contratados pelas companhias com as sociedades seguradoras em favor de seus executivos (eleitos ou contratados).

Assim, nota-se que o seguro D&O e o contrato de indenidade são instrumentos complementares entre si, tendo como objetivo comum indenizar terceiros eventualmente prejudicados por atos regulares de gestão dos administradores e, por consequência, preservar o patrimônio individual de tais administradores.

Para exemplificar o caráter complementar desses instrumentos, destaca-se que o seguro D&O tem prazos de vigência para cobertura dos atos dos administradores e um limite máximo de garantia estabelecido na apólice, o que pode, em algumas situações, não garantir a cobertura necessária ao administrador ou não ser suficiente para indenizar todos os administradores da companhia. Nessas situações, o contrato de indenidade pode suprir a limitação ao pagamento de indenização a tais administradores.

Por serem livremente pactuados entre a companhia e os administradores, os contratos de indenidade podem prever o pagamento de indenização em situações não cobertas pelo seguro D&O ou, ainda, estabelecer procedimentos mais rápidos de indenização para que a companhia busque posteriormente que o adiantamento feito ao administrador seja ressarcido pela seguradora.

Aliás, vale ressaltar que a contratação do seguro D&O também pode ser vista como uma forma de proteção indireta do patrimônio da companhia, que se compromete somente com o pagamento do prêmio em contrapartida à indenização oferecida pela seguradora. Já ao celebrar o contrato de indenidade, a companhia pode assumir até a integralidade do risco financeiro do administrador.

Pelo fato de a companhia assumir tais riscos, é importante que os contratos de indenidade contenham limitações ao dever de indenizar os administradores, apesar de livremente pactuados entre as partes. Eles devem, por exemplo, se restringir a indenizar ou a manter seus administradores indenes por atos ilícitos culposos realizados no exercício regular de suas funções e não nos casos de cometimento de qualquer ato ilícito danoso.

Esses contratos devem levar em consideração a estrutura da companhia, ou seja, o seu porte, a eficácia de seus controles internos, as suas regras de compliance, os seus mecanismos de gestão de riscos, a composição do conselho de administração, entre outros aspectos.

No que se refere especificamente às companhias abertas, a CVM já havia se manifestado em poucas ocasiões sobre os contratos de indenidade, admitindo a existência deles, mas sem estabelecer qualquer requisito ou elemento necessário para a sua validade e eficácia. Entretanto, no dia 25 de setembro passado, o órgão publicou o Parecer de Orientação CVM nº 38 acerca dos deveres fiduciários dos administradores no âmbito dos contratos de indenidade celebrados entre as companhias abertas e seus administradores.

Nesse parecer, a CVM dispõe expressamente “que reconhece o valor do contrato de indenidade como instrumento para a atração e retenção de profissionais qualificados” e “que os administradores de companhias abertas têm uma função importante a cumprir em relação a tais instrumentos, de forma a zelar para que sejam elaborados e executados em conformidade com os deveres fiduciários”.

O contrato de indenidade deve ser um documento equilibrado entre “o interesse da companhia de proteger seus administradores contra riscos financeiros decorrentes do exercício de suas funções” e o “interesse da sociedade de proteger seu patrimônio e de garantir que seus administradores atuem de acordo com os padrões de conduta deles esperados e exigidos por lei”.

Logo, não devem ser passíveis de indenização as despesas decorrentes de atos dos administradores praticados: a) fora do exercício de suas atribuições; b) com má-fé, dolo, culpa grave ou mediante fraude; ou c) em interesse próprio ou de terceiros, em detrimento do interesse social da companhia.

Adicionalmente, as companhias devem implementar procedimentos para garantir que as decisões relativas ao pagamento de tais indenizações com base nos contratos de indenidade sejam tomadas com independência e sempre no melhor interesse da companhia.

Para tanto, a administração da companhia deve incluir regras nos contratos de indenidade especificando: a) o órgão da companhia que será responsável por avaliar se o ato do administrador se enquadra em alguma excludente das hipóteses de indenização; e b) o procedimento a ser adotado para afastar os administradores cujas despesas poderão vir a ser indenizadas no processo de avaliação do item (a) da decisão sobre o pagamento ou não da indenização.

Embora aplicável somente às companhias abertas, o Parecer CVM nº 38 certamente se tornará um balizador geral de boas práticas relativas aos contratos de indenidade a serem celebrados entre todas as companhias brasileiras e seus administradores.

Os seguros D&O e os contratos de indenidade são importantes mecanismos de proteção de executivos, que conferem maior tranquilidade e segurança para o exercício regular e de boa-fé de suas funções.