Os impactos da crise gerada pela pandemia de covid-19 na economia em decorrência das medidas de isolamento impostas à população e da paralisação das atividades das empresas levaram à adoção de uma série de medidas tributárias para mitigar seus efeitos por governos ao redor do mundo.

Com objetivo de nortear as ações que poderiam ser tomadas pelos países nesse cenário, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou um relatório com recomendações a serem adotadas em cada uma das quatro fases da pandemia identificadas pela entidade, desde a inicial, que envolve a suspensão das atividades econômicas, um período em que as medidas de contenção permanecem, com impactos na atividade econômica, passando pela retomada, em que seriam necessários estímulos ao retorno dos investimentos e consumo, até a última fase, de recuperação das finanças públicas após a pandemia. Cada uma dessas fases envolveria medidas diferentes a serem tomadas.

No estágio inicial da pandemia, em que o Brasil está atualmente, a OCDE reconhece a necessidade de respostas imediatas dos governos para mitigar os primeiros impactos sofridos e recomenda medidas tributárias para conceder alívio às empresas e famílias e preservar os empregos e a atividade econômica.

Da análise do panorama internacional verifica-se que, entre as medidas tributárias recomendadas pela OCDE, a mais adotada pelos países envolve o diferimento no pagamento de tributos. De acordo com a OCDE, 75% dos países-membros da entidade e do G-20 adotaram tais medidas, a exemplo de Alemanha, França, Itália, Espanha e Estados Unidos.

Na linha das recomendações da OCDE, outras medidas tributárias muito adotadas pelos países foram: a prorrogação da entrega de obrigações acessórias, a flexibilização no pagamento de débitos tributários em aberto, uma possibilidade maior de recuperação de tributos, a suspensão da cobrança de encargos moratórios e penalidades em decorrência do não pagamento de tributos, entre outras. Diversos países também adotaram medidas de efetiva redução da carga tributária nos estágios iniciais da pandemia para preservar o fluxo de caixa das empresas.

Nesse contexto, as providências mais comuns anunciadas pelos países envolveram reduções de alíquotas de impostos e de contribuições sobre a folha de salários, concessão de isenções para setores prioritários no enfretamento da crise (como o de saúde) e aqueles que tenham sido mais impactados pela pandemia (como o de turismo e as companhias aéreas).

Além disso, diversos países reduziram a alíquota do seu imposto sobre consumo (VAT) não somente de produtos relacionados ao combate da pandemia, como foi o caso de Reino Unido, Noruega, China, Colômbia e Turquia, entre outros.

Determinados países introduziram medidas que permitem compensar prejuízos fiscais relativos ao ano de 2020 com lucros auferidos em exercícios anteriores, como é o caso de Estados Unidos, Nova Zelândia, Noruega e Polônia. Outros alteraram a legislação para estender o período de utilização de prejuízos relativos ao ano de 2020 no futuro, como é o caso da China e da República Eslovaca.

A rara exceção à regra dos países que buscaram efetivamente diminuir a carga tributária de seus contribuintes é, por enquanto, a Arábia Saudita, que aumentou a alíquota de seu imposto sobre consumo (VAT) de 5% para 15%. A medida foi adotada para lidar com o impacto do coronavírus e com a queda no preço do barril de petróleo no mundo.

Medidas adotadas pelo Brasil

As ações de outros países na área tributária acabaram por influenciar as atitudes do Brasil. O governo federal, seguindo tendência no exterior, implementou a prorrogação do pagamento de tributos, como as contribuições previdenciárias sobre a folha de salários e as contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e ao Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Na lista de medidas tributárias de caráter mais administrativo, o Brasil decidiu postergar a entrega de uma série de declarações fiscais, suspender a prática de atos processuais perante a Receita Federal do Brasil (RFB), prorrogar o vencimento de certidões de regularidade fiscal relativas a créditos tributários federais e à dívida ativa da União (CND) e suspender procedimentos de cobrança pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Publicou, ainda, regras e procedimentos que devem ser observados pelos contribuintes na realização de transação com a Administração Tributária, para extinção de litígios administrativos e judiciais.

No que diz respeito às medidas de política fiscal, o Brasil zerou a alíquota de Imposto sobre as Operações Financeiras na modalidade crédito (IOF/Crédito) em uma série de operações de crédito contratadas entre 3 de abril e 20 de julho de 2020, concedeu redução na alíquota de contribuições previdenciárias devidas ao Sistema S e zerou a alíquota do Imposto de Importação (II) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de produtos prioritários no combate e prevenção do coronavírus.

Tais medidas tributárias não foram tão expressivas, no entanto, quanto às adotadas em outros países e podem não alcançar o patamar de alívio às empresas verificado no exterior. Até o presente momento, por exemplo, não foram concedidas reduções nas alíquotas do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), como visto em outras jurisdições. Também não foram ajustadas as regras relativas ao aproveitamento de prejuízos fiscais. Embora tenha havido diminuição da alíquota das contribuições devidas ao Sistema S e diferimento no pagamento da contribuição previdenciária patronal, não houve até o momento redução da alíquota da contribuição previdenciária patronal, como visto em outros países, o que pode ser crucial para a manutenção de empregos.

Além disso, chamam a atenção algumas propostas tributárias que vão na contramão do que foi anunciado por outros países e recomendado pela OCDE. Por exemplo, enquanto na experiência internacional a grande preocupação dos governos é de suporte à atividade econômica das empresas, e não de aumento de tributos, no Brasil, é possível identificar nos últimos meses uma série de propostas de incremento da arrecadação tributária tanto na esfera federal quanto estadual.

Esse é o caso das propostas de lei apresentadas com o objetivo de instituir no país o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Atualmente existem mais de 30 projetos de lei em trâmite na Câmara dos Deputados e no Senado Federal que buscam a instituição desse tributo – nove deles foram apresentados durante a pandemia.

Nos últimos meses, também foram apresentados nove projetos de lei, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, com o objetivo de instituir empréstimos compulsórios para atender às despesas geradas pelo estado de calamidade pública relacionado ao coronavírus.

Também no âmbito federal, foi apresentado projeto de lei que tem por objetivo majorar a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para instituições financeiras.

Na esfera estadual, por sua vez, um destaque em São Paulo é o Projeto de Lei nº 250/20, que propõe mudanças na legislação do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) com o objetivo de incrementar a arrecadação. O projeto propõe uma série de mudanças, como a majoração do imposto com base na adoção de alíquotas progressivas de até 8% e a incidência sobre planos de previdência privada e sobre frutos e rendimentos de espólio e renúncia à herança, atualmente isentos. No atual cenário, com o expressivo número de mortes em decorrência da covid-19, aumentar a alíquota sobre o imposto que recai sobre heranças nos parece um contrassenso.

Em vez de debater propostas como as mencionadas acima, os legisladores deveriam preocupar-se em discutir outras medidas de alívio que ajudariam mais o Brasil a reduzir os impactos gerados pelo coronavírus. Poderiam avaliar, por exemplo, a flexibilização das regras sobre a utilização de prejuízos fiscais, a diminuição de alíquota das contribuições previdenciárias patronais, a suspensão de cobranças de multas e juros em decorrência do não pagamento de tributos, entre outras medidas que posicionariam o Brasil ao lado dos países mais desenvolvidos no combate aos efeitos da crise (e não da Arábia Saudita, que aumentou tributos).