A agropecuária brasileira é referência global em produtividade e contribui diretamente para o desenvolvimento econômico do país. O setor foi o principal responsável pelo forte crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2023, como divulgado pelo IBGE.

Esse cenário exige que o Estado estabeleça medidas de fomento ao agronegócio por meio de incentivos fiscais, políticas públicas, estruturas facilitadas de financiamento, entre outras modalidades de subsídios.

É o caso do Convênio ICMS 100/97, aprovado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). O convênio oferece os seguintes incentivos fiscais para insumos agropecuários variados:

  • isenção do ICMS devido nas operações internas, como disposto em sua terceira cláusula; e
  • redução em 60% da base de cálculo do ICMS devido nas operações interestaduais, nos termos da primeira cláusula.

Para fruir dos benefícios fiscais mencionados, conforme disposto no inciso II da Cláusula Quinta do Convênio ICMS 100/97, os estados podem exigir dos contribuintes o cumprimento de dois requisitos:

  • um de ordem material, expresso na dedução do valor correspondente ao ICMS desonerado no preço da mercadoria; e
  • um de ordem instrumental, concretizado na demonstração da respectiva dedução na nota fiscal.

Em relação ao requisito instrumental, a legislação de cada estado disciplina os procedimentos específicos para a demonstração da dedução na nota fiscal (como indicação no campo “Informações Adicionais” do valor desonerado etc.).

Entretanto, nos últimos anos, as Secretarias de Fazenda dos estados têm autuado contribuintes sob a alegação de inexistência de comprovação do repasse da dedução no preço dos produtos, mesmo em casos em que a irregularidade identificada é relacionada apenas ao cumprimento do requisito instrumental (isto é, demonstração da dedução na nota fiscal).

Surge, então, uma dúvida relevante sobre a forma de comprovar que o benefício fiscal foi repassado na cadeia. Isso porque tanto o Convênio ICMS 100/97 como as legislações estaduais que o absorveram não estabeleceram expressamente uma forma ou procedimento para a comprovação de que houve a efetiva dedução do ICMS desonerado no preço das mercadorias comercializadas.

Em uma leitura objetiva do inciso II da quinta cláusula do convênio, seria defensável concluir que bastaria cumprir o dever instrumental de demonstração da dedução na nota fiscal para comprovar a dedução do ICMS dispensado.

Note-se, entretanto, que não se está afirmando que a única forma de comprovação de que o ICMS desonerado foi repassado ao adquirente seria por meio do dever instrumental de indicar a dedução na nota fiscal – até porque essa obrigação não se confunde com o dever material do Convênio ICMS 100/97.

Mesmo nos casos em que houve o cumprimento do dever instrumental de demonstração do valor da dedução na nota fiscal, percebe-se uma nova tendência dos fiscos de recorrem, às vezes, a outros indícios para questionar a efetiva dedução do ICMS desonerado (independentemente do cumprimento do dever instrumental).

Nesses casos, na visão do fisco, haveria risco de o contribuinte ter elevado o preço líquido original da operação para deduzir de modo artificial o ICMS desonerado. A alegação do órgão é que os benefícios fiscais do Convênio ICMS 100/97 não teriam sido repassados, mas sim internalizados pelo vendedor em sua margem de lucro.

Da análise dos precedentes relacionados a esse tema, parece que esse cenário tende a ocorrer nos casos em que o fisco identifica preços diferentes nas operações internas (isentas de ICMS) e nas interestaduais (objeto da redução de base de cálculo). As vendas isentas seriam mais onerosas do que aquelas parcialmente desoneradas pela redução da base de cálculo.

Diante desses indícios, o fisco opta por presumir – sem qualquer apuração ou mesmo conhecimento sobre as variáveis comerciais e mercadológicas das operações ou mesmo do setor agropecuário como um todo – que o contribuinte teria descumprido o requisito material de repasse da vantagem econômica do benefício fiscal de ICMS.

O fisco, portanto, inverte o ônus da prova para exigir que o contribuinte demonstre a efetiva dedução do valor correspondente ao imposto dispensado no preço da mercadoria, desconsiderando todas as demais variáveis que influenciaram a precificação das operações comparadas (em especial, a existência de potencial cotação em bolsa de valores – cuja variação é inerente ao negócio).

Esse entendimento poderia levar a novas autuações relacionadas à aplicação de outros incentivos fiscais condicionados à demonstração do repasse do benefício na cadeia – como exemplo, cite-se o Convênio ICMS 87/02, que concede isenção do ICMS nas operações com fármacos e medicamentos destinados a órgãos da Administração Pública direta federal, estadual e municipal.

Em nossa avaliação, em respeito à legalidade e tipicidade tributária, o ônus de provar a inexistência do repasse da dedução do ICMS pelo Convênio ICMS 100/97 permanece com o fisco, que pretende desconsiderar que o contribuinte aplicou o benefício fiscal.

No mesmo sentido, a doutrina do professor Paulo de Barros Carvalho elucida que “a lei institui a necessidade de que o ato jurídico administrativo seja devidamente fundamentado, o que significa dizer que o fisco tem que oferecer prova concludente de que o evento ocorreu na estrita conformidade da previsão genérica da hipótese normativa”.[1]

Como consequência, “[c]aso o sujeito passivo venha a contestar a fundamentação do ato aplicativo lavrado pelo fisco, o ônus de exibir a improcedência dessa iniciativa impugnatória volta a ser, novamente, da Fazenda, a quem quadrará provar o descabimento jurídico da impugnação, fazendo remanescer a exigência”.[2]

Em termos concretos, identificamos uma tendência de os fiscos aumentarem a carga probatória em autuações fiscais nesses casos. Exige-se que o contribuinte seja capaz de oferecer elementos suficientes que demonstrem não apenas o efetivo repasse da dedução fiscal aos adquirentes, mas a própria racionalidade das diferenças entre os preços praticados, para a afastar a presunção de aplicação indevida do benefício de ICMS.

Portanto, em casos de alegação de descumprimento do efetivo repasse do incentivo na cadeia, mediante a redução no preço da mercadoria, recomendamos que os contribuintes analisem suas operações para serem capazes de oferecer provas e argumentos que comprovem ao fisco a existência:

  • de preços diferentes para operações diferentes (justificando, inclusive, a razão); e
  • da transferência do benefício fiscal para o respectivo adquirente dos produtos.

 


[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Sobre a teoria da prova no procedimento administrativo tributário e o emprego de presunções. Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET..

[2] Ibid.