Há duas principais formas de defesa na execução fiscal: a exceção de pré-executividade e os embargos à execução. A primeira é apresentada nos próprios autos, sem necessidade de garantia do crédito tributário em discussão, ou seja, é menos onerosa ao contribuinte. No entanto, seu cabimento é limitado às situações que não demandam dilação probatória ou em que as questões possam ser conhecidas de ofício pelo magistrado, nos termos da Súmula n° 393 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Diante dessa restrição, o contribuinte/executado tem como único meio de defesa, na grande maioria dos casos, os embargos à execução fiscal. A exigência para que eles sejam admitidos é o oferecimento de garantia nos termos da Lei n° 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal – LEF), o que sai mais caro para o contribuinte.

Com a edição da Lei n° 13.043/14, que deu nova redação ao art. 9°, II, da LEF para facultar ao executado a possibilidade de “oferecer fiança bancária ou seguro-garantia”, e com o entendimento do STJ de que ambas as garantias estão equiparadas ao depósito judicial, tais meios se tornaram as formas mais comuns de garantia em execução fiscal, justamente por serem menos onerosas ao contribuinte que o depósito integral do montante em discussão.

A despeito disso, na hipótese de o recurso ou dos embargos à execução do contribuinte não serem dotados de efeito suspensivo, são cada vez mais frequentes os pedidos do fisco para que a fiança ou o seguro sejam convertidos em depósito judicial, mediante expedição de ofício à instituição financeira ou seguradora para que realize imediatamente os depósitos dos valores em discussão.

Em regra, os pedidos do fisco têm como fundamento a Súmula n° 317 do STJ – segundo a qual é definitiva a execução de título extrajudicial, ainda que a apelação contra a sentença que julgue os embargos improcedentes esteja pendente – e decisões da 2ª Turma do STJ[1] que admitem a liquidação da fiança ou do seguro, condicionando o levantamento da quantia depositada ao trânsito em julgado.

Tal condição decorre da interpretação do §2º do art. 32 da LEF: “Após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública, mediante ordem do Juízo competente”.

Somente uma leitura apressada desse dispositivo poderia levar à conclusão de que apenas os depósitos – e não as demais garantias – teriam eficácia até o trânsito em julgado e, portanto, seria legítimo o pleito fazendário de liquidação do seguro ou da garantia quando o recurso ou os embargos à execução do contribuinte não têm efeito suspensivo.

No entanto, a partir de leitura sistemática dos artigos 9º, §3º, 15, I, e 32 da LEF e da análise do entendimento do STJ, conclui-se que tanto a fiança quanto o seguro têm status legal equivalente ao do depósito em dinheiro, sendo legítima a sua liquidação (conversão em depósito) somente após o trânsito em julgado da discussão.

Não foi outra a conclusão a que chegou a 1ª Turma do STJ[2] ao consignar que a execução da fiança bancária oferecida como garantia da execução fiscal também fica condicionada ao trânsito em julgado da ação satisfativa, nos termos do mesmo §2º, do art. 32 da LEF.

Assim como o depósito, a fiança e o seguro são institutos de liquidação célere e que trazem segurança para satisfação do interesse do credor, uma vez que automaticamente conversíveis em dinheiro ao fim do feito executivo. Eles também não estão sujeitos a depreciação, uma vez que têm cláusula de atualização automática do valor garantido nos mesmos parâmetros da dívida executada.

Do ponto de vista jurídico ou econômico, não faz nenhum sentido atribuir tratamento distinto às modalidades de garantia. Para o credor, no caso a Fazenda Pública, não há diferença. Portanto, a postura do fisco batizada de “Projeto Garantia”[3] é medida incompatível com a legislação de regência e com a jurisprudência do STJ, em claro descompasso com os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da continuidade da atividade empresarial. O único objetivo do credor nesses casos é utilizar os valores depositados em juízo para fazer jus aos seus compromissos.

Isso porque os valores depositados são transferidos à conta única do ente público, integralmente no âmbito federal e parcialmente no âmbito estadual e municipal,[4] sendo utilizados na atividade financeira orçamentária para fazer frente ao pagamento de despesas.

É certo que a execução fiscal deve ser operada de modo menos gravoso ao executado, como também que ela tem por finalidade satisfazer o interesse do credor. Conforme reconheceu a 3ª Turma do STJ,[5] a fiança e o seguro representam a perfeita harmonização entre o princípio da efetividade da tutela executiva para o credor e o princípio da menor onerosidade para o executado, conferindo maior proporcionalidade aos meios de satisfação do crédito ao exequente.

A prematura liquidação da carta de fiança ou garantia traz apenas prejuízos aos contribuintes/executados, que precisam reembolsar imediatamente valores possivelmente dispendidos pela instituição financeira ou efetuar depósito em atenção às determinações contratuais.

A conversão da fiança ou do seguro em depósito judicial equivale à conversão em renda dos depósitos para a satisfação do crédito executado, medida cabível tão somente após o trânsito em julgado. Foi o que decidiu a 2ª Turma do STJ,[6] diante da especificidade do art. 32, §2º, da LEF.

Vale lembrar ainda que o art. 19, II, da LEF só admite a intimação da instituição financeira para pagar o crédito exequendo quando os embargos à execução tenham sido definitivamente rejeitados, ou seja, tenham transitado em julgado.

Admitir a liquidação prematura de garantias como a carta de fiança ou seguro contraria o intuito do legislador, que facultou ao contribuinte medidas menos custosas para garantir o débito tributário, sem comprometer o fluxo de caixa e a atividade regular da empresa, em sintonia com os princípios de acesso à justiça, contraditório e ampla defesa.

O ministro Ayres Britto,[7] ao abordar especificamente o problema da liquidação da fiança bancária, afirmou que “a falta de pronunciamento definitivo do tribunal não pode, contudo, constituir ameaça à segurança jurídica dos contribuintes, especialmente quando implica grave risco de constrição patrimonial potencialmente indevida. É evidente que o perigo de dano, neste caso, corre contra o contribuinte”.

Permitir a liquidação prematura de garantias idôneas de forma indiscriminada e injustificada, em última análise, impacta o sistema financeiro, uma vez que seguradoras e bancos passarão a ofertar cartas de fianças e seguros com taxas e juros mais altos, esvaziando os institutos e onerando ainda mais os contribuintes.

A despeito da ausência de prejuízo para a Fazenda Pública e da irreversibilidade da conversão das garantias em depósito judicial, a aplicação ou não do art. 32, §2º, da LEF à fiança e ao seguro gera divergência de entendimentos nos tribunais regionais e causa insegurança aos contribuintes.

Por afetar inúmeros contribuintes, o tema exige a manifestação definitiva do STJ sobre tais aspectos, na qualidade de intérprete maior da legislação infraconstitucional, atento à sua função uniformizadora da jurisprudência nacional. O estabelecimento da mais correta e razoável interpretação do art. 32, §2º, da LEF é essencial para a aplicação dos princípios da máxima eficácia da execução e da menor onerosidade para o executado.


[1] (AgRg na MC 18.155/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 16/8/2011; RCDESP na MC 15.208/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 16/4/2009)

[2] (REsp 1033545/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 28/04/2009, DJe 28/05/2009)

[3] Empresas são obrigadas a trocar seguro por depósito em execuções. Valor Econômico, 2019, disponível em: <https://www.valor.com.br/legislacao/6376875/empresas-sao-obrigadas-trocar-seguro-por-deposito-em-execucoes>. Acesso em: 05.08.2019.

[4] No âmbito federal, a disciplina está na Lei nº 9.703/98, artigo 1º, parágrafo 2º. No estado de São Paulo, o repasse à conta única do Tesouro é de 75%, conforme Decreto nº 62.411/17, artigo 1º, I

[5] (REsp 1691748/PR, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 07/11/2017, DJe 17/11/2017)

[6] (AgRg no AREsp 123.976/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26/06/2012, DJe 01/08/2012)

[7]  (AC 1776 AgR, Relator Ministro Ayres Britto, DJe-113 01-10-2007)