Uma das maiores virtudes do Poder Judiciário é pacificar as relações sociais por meio da jurisprudência que cria sobre os diversos temas que lhe são submetidos. Ocorre que, no Brasil, ainda hoje, são recorrentes as tentativas de se ressuscitar temas já enfrentados pelos tribunais.

Como exemplo, pode-se citar a Lei 4.117/03 do estado do Rio de Janeiro, que visava criar a incidência do ICMS sobre a extração de petróleo, tema abordado na Ação de Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.019/RJ em 2005.

Anos depois, outra lei fluminense, a Lei 7.183/15, pretendeu reestabelecer a cobrança do ICMS sobre a extração de petróleo, o que foi rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021 na ADI 5.481/RJ.

O mesmo aconteceu com a chamada Taxa de Fiscalização Ambiental e Regulatória das Atividades de Exploração e Produção de Petróleo e Gás (TFPG). Criada pela Lei Estadual 7.182/15 – RJ, a taxa deveria ser paga pelos contribuintes que explorassem a extração e produção de petróleo. Pela lei, seu valor teria que ser fixado de acordo com a quantidade extraída de barris de petróleo.

Diante dos protestos generalizados contra a exigência da taxa, que seguia padrão bastante semelhante ao de outras taxas de poder de polícia, coube ao STF examinar o tema, a exemplo do que havia feito em relação à Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Exploração e Aproveitamento de Recursos Hídricos (TFRH).

Em um dos casos pioneiros sobre a inconstitucionalidade das taxas do poder de polícia que não observam a equivalência entre o que se arrecada e o custo do serviço estatal a ser remunerado, advogamos da tribuna do plenário do STF.

No julgamento da ADI 6.211/AP, que envolvia especificamente a cobrança da TFRH criada pelo estado do Amapá, o ministro relator Marco Aurélio Mello votou pela inconstitucionalidade da cobrança, por inexistir o caráter contraprestacional/referível, sendo sua arrecadação confiscatória. Em seu voto, o ministro relator frisou que “a taxa pressupõe sempre um custo a ser satisfeito, devendo guardar relação íntima com a atividade desempenhada pelo Estado”.

Assentado esse entendimento, logo em seguida, a Lei 7.182/15 foi julgada inconstitucional pelo STF na ADI 5.480/RJ, pondo fim à TFPG.

O estado do Rio de Janeiro, porém, novamente pretende reinstituir a mesmíssima TFPG, por meio do Projeto de Lei 5.190/21, que está pendente apenas da sanção governamental. O mais curioso é que a nova TFPG basicamente repete a antiga TFPG. As únicas diferenças entre as duas referem-se aos seguintes pontos:

  • a base de cálculo da nova TFPG é um valor fixo por mês, enquanto na antiga TFPG o valor oscilava de acordo com a quantidade de barris produzidos; e
  • a nova TFPG prevê a destinação de parte de sua arrecadação ao órgão ambiental estatal, além da Procuradoria-Geral do Estado e da Secretaria de Fazenda do Estado.

Entendemos que a nova taxa, da mesma forma que a antiga, incorre em vícios de inconstitucionalidade, porque sua arrecadação precisa ser compatível com o custo da atividade estatal a ser remunerada, requisito indispensável de validade e de adequação aos preceitos constitucionais de qualquer taxa de poder de polícia.

Diferentemente dos impostos, as taxas são tributos vinculados e referíveis justamente porque visam remunerar uma determinada atividade estatal.

Ao ser calculada em elevadíssimo valor fixo mensal (cerca de R$ 5 milhões ao mês, por concessionária), a nova TFPG se distancia muito do custo da atividade estatal a ser desenvolvida com os recursos provenientes da sua arrecadação. Prova disso é que a fiscalização das atividades de exploração e produção de petróleo já são desenvolvidas em âmbito estadual pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), cuja arrecadação obtida com todas as taxas pelo exercício do poder de polícia nos anos de 2017, 2018 e 2019 totalizou, respectivamente, R$ 11.462.499,23, R$ 15.855.731,62 e R$ 11.310.219,51, conforme divulgado no último Relatório de Atividades Inea/2019.

Se considerarmos a quantidade de concessionárias autorizadas a realizar pesquisa, lavra, exploração e produção de petróleo e gás existentes no Rio de Janeiro, teremos uma arrecadação de R$ 150 milhões apenas pelas concessionárias da Bacia de Campos – de acordo com a Agência Nacional de Petróleo (ANP), somente nessa bacia há 30 concessionárias autorizadas no estado. Esse valor representa cerca de 388% da arrecadação obtida pelo Inea com todas as taxas do poder de polícia nos anos de 2017, 2018 e 2019.

Os princípios constitucionais da transparência, da boa fé e da moralidade impõem que os gestores públicos declinem e compartilhem com a sociedade e com o próprio parlamento todos os dados empíricos examinados e ponderados para a criação de novos tributos. Seria, portanto, louvável que a justificativa legal da nova TFPG viesse acompanhada dessas informações, em especial, do custo estimado da atividade estatal a ser remunerada.

Além disso, ao estabelecer como sujeito passivo da taxa toda e qualquer “pessoa jurídica que esteja, a qualquer título, autorizada a realizar pesquisa, lavra, exploração, e produção de recursos de petróleo e gás”, a nova TFPG deixa de observar e de considerar que diversas concessionárias, embora autorizadas pela ANP para explorar e produzir petróleo e gás, não estão realizando essas atividades no momento.

Não faz sentido estabelecer a cobrança de uma taxa pelo exercício do poder de polícia sobre sujeito passivo que sequer se encontra no pleno exercício da atividade a ser fiscalizada. Não há, nessa hipótese, o necessário caráter contraprestacional/referível da taxa.

Outra questão que chama bastante atenção na nova TFPG é o fato de parte de sua arrecadação se destinar à Procuradoria-Geral do Estado e à Secretaria Estadual de Fazenda.

Esses órgãos têm relevância ímpar na arrecadação e na representação judicial dos órgãos estatais. Entretanto, ambos não apresentam qualquer relação direta e de referência com o poder de polícia a ser remunerado com a nova TFPG.

Iniciativas como essas afugentam novos investidores e abalam a confiança daqueles que já realizam seus investimentos no Rio de Janeiro, além de ir na contramão da almejada recuperação econômica das combalidas contas públicas do estado.

Anima saber que o governador do Rio de Janeiro não sancionou o projeto de lei. Medida bastante acertada para reter os investimentos já realizados pelas concessionárias de óleo e gás no estado e evitar a indesejada enxurrada de litígios que viriam, caso a lei viesse a ser sancionada. Agora, é torcer para que os parlamentares não derrubem o veto do Governador.