A pandemia de covid-19 obrigou diversos estabelecimentos comerciais, industriais e prestadores de serviços brasileiros a suspender suas atividades por tempo indeterminado. Até o momento, não há perspectiva de normalização da atividade econômica.

Embora algumas atividades possam ser realizadas por meio do teletrabalho (home office), em outros setores é comum que empregados estejam dispensados enquanto perduram as medidas de distanciamento social. Nesses casos, o empregado não trabalha, mas mantém seu vínculo empregatício e continua a receber os valores usualmente pagos pelo empregador. Essa situação pode se verificar, por exemplo, com atendentes de estabelecimentos comerciais ou com operários de grandes indústrias – atividades que não podem ser desempenhadas a distância.

A situação na qual o empregador permanece realizando pagamentos aos empregados, mesmo quando os dispensa do trabalho, pode ensejar a não incidência das contribuições previdenciárias patronais sobre esses valores. Isso porque o art. 22, inciso I, da Lei nº 8.212/91 dispõe que as contribuições previdenciárias patronais têm como hipótese de incidência as remunerações pagas, devidas ou creditadas aos segurados empregados e que sejam destinadas a retribuir o trabalho.

O elemento retributivo assume, assim, função central na definição da hipótese de incidência das contribuições previdenciárias patronais. Essas contribuições sociais apenas se tornam devidas caso se verifique a remuneração pelo serviço prestado ou pela disponibilidade do prestador de serviço. Em outras palavras, constatando-se que o empregado não está sendo remunerado pela prestação de serviços ou por estar à disposição do empregador, não deve haver a incidência de tais contribuições.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, sob o rito dos recursos repetitivos (REsp 1.230.957/RS), que não há incidência de contribuições previdenciárias patronais sobre os valores referentes ao aviso prévio indenizado pago a empregado, uma vez que inexiste o elemento retributivo do pagamento. Entendemos que essa decisão do STJ reforça a importância de que exista, de fato, remuneração para que possa haver a incidência de contribuições previdenciárias.

Mais recentemente, a Procuradoria Geral da República se manifestou em sentido semelhante nos autos do Recurso Extraordinário 1.072.485/PR, defendendo a não incidência das contribuições previdenciárias patronais sobre o terço constitucional de férias, justamente porque, nesse caso, também não há retribuição pela prestação de serviços, entre outros motivos.

Embora as autoridades fiscais possam adotar posição diferente da exposta acima, em nossa opinião, é possível sustentar que os empregados que se encontram nessa situação não estão à disposição do empregador, se este se encontra impedido de atuar de forma normal, seja em razão de medidas sanitárias para preservação da saúde de funcionários, seja em razão de determinações municipais e estaduais. Assim, quando é impossível que o empregado desenvolva a atividade para a qual fora contratado, não se pode afirmar que ele está à disposição de seu empregador.

No caso dos empregados dispensados do trabalho em razão da pandemia, com a manutenção do contrato de trabalho, não nos parece haver pagamento de remuneração pelo tempo que o empregado permanece à disposição do empregador, uma vez que não há perspectiva de volta à normalidade e de regularização das atividades desses funcionários. Com efeito, o empregador não parece tirar proveito dessa eventual disponibilidade dos empregados, já que a atividade econômica não pode ser retomada enquanto perduram as restrições. Daí a improbabilidade de ser essa a razão para a manutenção de empregos e a realização dos pagamentos aqui discutidos.

A preservação de empregos neste momento parece estar mais relacionada com os altos custos para demissão e recontratação posterior de funcionários – ou mesmo com o louvável sentimento de solidariedade social – do que com a expectativa de que a prestação de serviços por empregados venha a ser novamente necessária no curto prazo. Nesse contexto, os valores pagos pelo empregador aos empregados afastados do trabalho se assemelham à figura da ajuda de custo, expressamente desvinculada da remuneração pelo art. 457, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, e sobre a qual não incidem contribuições previdenciárias patronais.

Tendo em vista o exposto, entendemos que é possível questionar a incidência de contribuições previdenciárias patronais sobre os valores pagos a empregados dispensados do trabalho em razão da pandemia de covid-19.