O mandado de segurança é amplamente utilizado para a discussão de questões tributárias, sendo atrativo por seu rito célere e a inexistência de ônus sucumbenciais. Por outro lado, há uma série de questões processuais que devem ser avaliadas cautelosamente para que a impetração seja eficaz – como a prova pré-constituída, o prazo decadencial peculiar e a regra de competência aplicável, que merece comentários específicos.

Tradicionalmente, o mandado de segurança é impetrado de acordo com a sede funcional da autoridade apontada como coatora, identificada como aquela responsável pelo ato a ser combatido. Em matéria tributária federal, essa autoridade costuma ser o delegado da Receita Federal de jurisdição fiscal do contribuinte. Essa é uma conduta segura, alinhada com a regra geral de competência estabelecida no Código de Processo Civil e com o princípio do juiz natural (art.5º, III, da CF).

Não raras vezes, há concomitância entre o local da sede funcional e da sede da impetrante, o que facilita a aplicação da regra de competência. Porém, há casos em que as localidades são distintas, ou mesmo há diferentes partes envolvidas sujeitas a jurisdições também distintas, o que agrega complexidades na identificação do foro competente e na condução processual.

A jurisprudência sobre o tema tem amadurecido, principalmente no âmbito da Primeira Seção do STJ, que está abandonando a corrente que limitava a competência para apreciar mandado de segurança ao foro da sede funcional da autoridade coatora[1].

Segundo o entendimento que está se desenvolvendo na Corte Superior,[2] a competência de mandado de segurança proposto contra ato praticado por autoridade pública federal deve seguir o rol do artigo 109, § 2º, da Constituição Federal,[3] que atribui faculdade de escolha ao impetrante entre seu domicílio, o Distrito Federal ou, ainda, o local do ato/fato que dá origem à demanda.[4]

A mudança foi impulsionada pelo julgamento do RE nº 627.709/DF, realizado no STF sob a sistemática da repercussão geral (art. 543-A, § 1º, do CPC/73). Esse leading case discutiu a aplicação do artigo 109, § 2º, da CF às autarquias federais. A dúvida residia no fato de o dispositivo ser expresso ao tratar das “causas intentadas contra a União, sem qualquer menção à Administração Pública indireta, da qual as autarquias fazem parte.

Naquele julgamento prevaleceu que o objetivo do legislador constituinte ao introduzir o dispositivo constitucional em questão foi ”facilitar o acesso ao Poder Judiciário da parte quando litiga contra a União”, a qual teria melhores condições de litigar em foro diverso de sua sede, considerando sua estrutura organizacional e as vantagens processuais às quais faz jus. Por entender que essas mesmas premissas se aplicam às autarquias federais, o STF reconheceu que elas estão igualmente sujeitas ao artigo 109, § 2º, da CF.

Embora seja possível considerar que o julgamento do leading case em questão tenha impulsionado a renovação da jurisprudência do STJ, mesmo antes, o STF já havia reconhecido a possibilidade de o impetrante escolher o foro de seu domicílio para propor mandado de segurança.[5]

Naqueles julgados, prevaleceu a lógica de que a regra de competência se aplicaria a todas e quaisquer ações intentadas contra a União, inclusive as ações mandamentais. Como a Constituição não fez qualquer distinção sobre a natureza das ações intentadas contra a União, bastaria que ela figurasse no polo passivo para que o autor pudesse escolher um dos foros previstos no artigo 109, § 2º, da CF.

Nesse arcabouço jurisprudencial, a Primeira Seção do STJ tem aplicado a regra de competência do artigo 109, § 2º, da CF às ações mandamentais, reconhecendo a faculdade conferida ao impetrante de optar pelo foro de seu domicílio.

Dentre os julgados que tratam sobre o tema, destaca-se o julgamento do CC nº 153.878/DF, que, ao tratar do tema com foco nas ações mandamentais, esclarece que tal dispositivo “não faz distinção entre as várias espécies de ações e procedimentos previstos na legislação processual, motivo pelo qual o fato de se tratar de uma ação mandamental não impede o autor de escolher, entre as opções definidas pela Lei Maior, o foro mais conveniente à satisfação de sua pretensão. O ordenamento constitucional, neste aspecto, objetiva facilitar o acesso ao Poder Judiciário da parte que litiga contra a União”.

É curioso observar que, ao aplicar a regra constitucional em análise, esses julgados tratam da possibilidade de impetração no domicílio do autor, deixando de abordar as demais hipóteses também referidas no dispositivo constitucional. O destaque aqui é a possibilidade de impetração no Distrito Federal, alternativamente ao local do domicílio.

 Embora essa opção seja igualmente respaldada pelo raciocínio prevalecente, o tema não é abordado por essa perspectiva, o que permite questionar se há efetiva equiparação de todas as opções constitucionais ali referidas.

Sobre o tema, a Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da 1ª Região[6] já se posicionou no mesmo sentido do entendimento firmado pelas Cortes Superiores, reafirmando a faculdade conferida ao impetrante de optar pelo foro de seu domicílio quando, no polo passivo, constar a autoridade pública federal. Porém, assim como nos precedentes do STJ, a questão tem sido majoritariamente enfrentada à luz do domicílio do impetrante, sem abordar as demais hipóteses previstas no art. 109, § 2º, da CF (local do ato ou fato que originou a demanda, onde esteja situada a coisa ou no Distrito Federal).

É inegável que essa mudança jurisprudencial representa verdadeiro avanço em prol do acesso à Justiça e tende a evoluir para aclarar a possibilidade de o impetrante optar, estrategicamente, pelo local em que pretende aforar a ação, seja no seu domicílio ou mesmo no Distrito Federal, em detrimento do tradicional local onde se encontra a sede funcional da autoridade cujo ato se busca repelir.

 


[1] AgRg no AREsp 721.540/DF, AgRg no MS 21.337/DF.

[2] CC 169.239/DF, AgInt no CC 163.905/DF, CC 166.116/RJ, AgInt no CC 153.878/DF, AgInt no CC 154.470/DF, AgInt no CC 148.082/DF, AgInt no CC 153.724/DF, AgInt no CC nº 153.138/DF, AgInt no CC nº 149.881/DF, AgRg no CC nº 167.534/DF, CC nº 163.820/DF.

[3] Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...)

  • 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal. (...)

[4] O Código de Processo Civil atual tem diretriz semelhante no parágrafo único de seu art. 51.

[5]AgRg no RE 509.442/PE, AgRg no RE 599.188-AgR/PR, RE 171.881/RS.

[6] CC 1037291-51.2020.4.01.0000, CC 1027286-67.2020.4.01.0000, CC 1030723-19.2020.4.01.0000.