Desde que o STF firmou a tese de que o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 574.706, muitos contribuintes tiveram desfecho definitivo em seus processos individuais sobre o tema, o que deu margem a novas questões controvertidas. Uma das polêmicas mais relevantes, em razão dos efeitos de caixa verificados, diz respeito a quando tributar pelo IRPJ e pela CSLL o montante dos créditos reconhecidos judicialmente e que serão objeto de compensação administrativa.

A matéria é controvertida por sofrer impacto de diferentes eventos relevantes: (a) o trânsito em julgado da ação judicial individual ajuizada pelo contribuinte; (b) a efetiva mensuração dos créditos pelo contribuinte e o reconhecimento contábil dos valores a recuperar como ativo, em contrapartida à receita; (c) a habilitação dos créditos perante a Receita Federal do Brasil (RFB) como condição para realizar a compensação; (d) a efetiva compensação dos créditos com outros tributos federais, nos termos regulados pela Receita Federal; e (e) a homologação da compensação pela Receita Federal.

Em termos práticos, a incidência do IRPJ e da CSLL pressupõe o direito do contribuinte de dispor livremente do valor dos créditos, sem depender de ato de terceiro. Para muitos, o mero reconhecimento do direito de crédito ora tratado parece não assegurar essa disponibilidade, já que representa apenas o direito de exigir do devedor a disponibilização desse rendimento.

O trânsito em julgado da decisão que reconhece o direito de crédito do contribuinte é o primeiro passo para a aquisição da disponibilidade jurídica da renda, um dos eventos passíveis de configurar o fato gerador do IRPJ e CSLL. A concepção de “primeiro passo” é relevante, pois, embora o contribuinte tenha, com a sentença transitada em julgado, direito absoluto e incondicional ao crédito, na maioria dos casos não há, naquele momento, a quantificação do direito que foi reconhecido.

Em geral, as decisões transitadas em julgado nos mandados de segurança impetrados pelos contribuintes visando à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins são ilíquidas (não fixam o valor a recuperar). Por essa razão, para fins de registro contábil do valor dos créditos, sua liquidez deve ser apurada, o que normalmente é feito de forma unilateral pelo contribuinte com base nas melhores estimativas, conforme dispõem as normas contábeis.

A Receita Federal já manifestou o entendimento de que é no momento do trânsito em julgado da sentença judicial que os créditos passam a ser receitas tributáveis de IRPJ e CSLL (soluções de consulta nº 106/10, 232/07 e 233/07). No entanto, não há clara indicação nos termos dessas normas se as sentenças transitadas em julgado já quantificavam o montante dos créditos, isto é, se as decisões eram líquidas ou ilíquidas.

Sob outra perspectiva, é possível defender que o trânsito em julgado de sentença ilíquida não é o momento adequado para a incidência de IRPJ e CSLL, pois a parte sequer definiu se vai seguir com a restituição via compensação ou por precatório. Sobre esse tema, a jurisprudência é pacífica no sentido de que é direito do contribuinte optar por uma ou outra forma (Súmula 461 do STJ).

Caso a opção pela compensação administrativa se confirme, é necessário habilitar os créditos na Receita Federal, conforme os procedimentos regulados pela Instrução Normativa nº 1.717/17. Nesse momento, o crédito foi mensurado pelo contribuinte, mas o fisco ainda não se manifestou. Aliás, mesmo com o deferimento do pedido pelo fisco, não há qualquer anuência sobre o valor do crédito (art. 101, parágrafo único da IN 1.717). Nessa linha, é possível argumentar que esse ato unilateral em relação ao quantum devido não deveria ter o condão de tornar líquida a sentença transitada em julgado. De fato, da forma como está prevista na norma, a habilitação mais se aproxima de um procedimento formal prévio de checagem, equivalente à verificação das condições da ação, sem nenhum exame de mérito.

Especificamente com relação aos créditos decorrentes do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, a Receita Federal tem apresentado vários óbices para restituí-los aos contribuintes, como a limitação do valor do ICMS a ser excluído ao efetivamente pago (e não o destacado nas notas fiscais) e a pretensão de limitar o entendimento firmado pelo STF aos períodos anteriores à Lei nº 12.973/14. Dessa forma, há fundamentos para se afirmar que não são líquidos e representativos de acréscimos patrimoniais os valores ainda sujeitos a questionamento pelo fisco.

Uma outra linha interpretativa é a de que o IRPJ e a CSLL só incidiriam quando o contribuinte efetivamente realiza as compensações (transmissão do PER/DCOMP), momento em que ele faz uso dos créditos a que entende ter direito. Essa argumentação teria fundamento na (i) opção feita pelo contribuinte quanto à utilização do crédito pela via da compensação e nas (ii) características inerentes ao crédito tributário, cujo poder liberatório é limitado por lei (tais créditos só podem ser utilizados para compensação com débitos relativos a tributos federais).

O direito à compensação somente existe quando o contribuinte é, ao mesmo tempo, credor e devedor de obrigações perante um mesmo ente, no caso, a Fazenda Nacional. Nos autos da Solução de Consulta nº 206/03, a Receita Federal até mesmo já expôs o entendimento de que a disponibilidade jurídica e econômica ocorre quando o contribuinte efetivamente recebe o crédito tributário e, no caso de compensação, quando ela é efetivamente realizada.

Ainda que a própria Lei nº 9.430/96 determine que a Declaração de Compensação equivale ao pagamento, há também quem siga o entendimento de que a liquidez do crédito tributário, para fins de caracterização da disponibilidade jurídica ou econômica da renda como fato gerador do IRPJ e da CSLL, ocorre somente no momento da homologação da compensação pela RFB.

Essa é a hipótese que implica no recolhimento do tributo de forma mais distante do trânsito em julgado e, portanto, mais desejada pelos contribuintes e menos desejada pelo fisco. E é exatamente o que o Juízo da 6ª Vara do Rio de Janeiro acolheu como o evento relevante para fins tributários na sentença proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 5035622-22. 2019.4.02.5101. Segundo prevaleceu nesse caso, “apenas com a homologação do pedido de compensação pela autoridade fiscal é que se pode falar em crédito líquido recuperado pela impetrante, a partir de quando efetivamente o fato gerador do IRPJ e da CSLL ocorrerá”.

Essa decisão tem dois efeitos positivos: ao mesmo tempo que (i) evita o desembolso prematuro para pagamento dos tributos sobre o valor do crédito, ela (ii) estimula o fisco a apreciar com brevidade as compensações em questão, deixando de fazer uso do prazo de cinco anos para tanto. Porém, sabemos que a matéria é controvertida e que essa decisão, ainda sujeita a recurso, é uma das poucas que versam sobre a matéria.

Ao que tudo indica, após muitos anos de discussões no Judiciário para reconhecimento da exclusão do ICMS das bases de cálculo do PIS e da Cofins, os contribuintes ainda enfrentarão extensas discussões sobre o momento da tributação desses créditos pelo IRPJ e CSLL.