O bônus de contratação, também chamado de sign-on bonus, hiring bonus ou, no âmbito esportivo, luvas, é um valor que pode ser pago na contratação de novos profissionais.

O objetivo desse pagamento é atrair profissionais altamente qualificados e já posicionados, indenizando-os pelos desconfortos e incertezas que, naturalmente, surgem na mudança de empresa. Também é uma forma de compensá-los por benefícios de que abrem mão ao aceitar o novo contrato de trabalho (por exemplo, verbas devidas em caso de demissão sem justa causa, estabilidade).

A natureza desse bônus para fins de incidência de contribuições previdenciárias ainda é controvertida. Historicamente, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) entendia que tais valores têm relação direta com a prestação de serviços, independentemente de serem pagos apenas no momento da contratação e, portanto, devem sujeitar-se à incidência de contribuições previdenciárias.

Em tais precedentes,[1] o Carf manifestou entendimento de que o bônus de contratação representaria um pagamento antecipado pela futura prestação de serviço. Para reforçar seu posicionamento, o órgão destacou a existência de cláusulas que preveem uma permanência mínima no emprego, sob pena de devolução do montante recebido, no todo ou em parte.

Do lado dos contribuintes, entendemos haver argumentos para defender que os valores em questão não podem compor o salário de contribuição, base de cálculo de tais recolhimentos, porque, além de não serem pagos com habitualidade, têm natureza indenizatória.

O artigo 195, I, “a”, da Constituição Federal,[2] ao dispor sobre as contribuições sociais (e previdenciárias) incidentes sobre os pagamentos que são feitos aos empregados, estabeleceu como fato gerador (e base de cálculo) o pagamento de “folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, em razão de serviços prestados na vigência de relação de emprego”.

Em resumo, com base nessa norma de competência, a União está autorizada a instituir contribuições sobre a folha de salários ou sobre o rendimento do trabalho pago aos empregados. Conforme dispõe o artigo 110, do CTN,[3] é preciso identificar o alcance dos conceitos atribuídos aos termos “folha de salários” e “rendimento do trabalho”, para identificar o campo de atuação da União na exigência das contribuições sociais (e previdenciárias).

Ao buscar os limites semânticos desses termos, é possível identificar que o vocábulo “salário” está ligado diretamente ao pagamento em razão de serviços prestados mediante relação empregatícia. Parece evidente que o vocábulo foi empregado para se referir à remuneração da categoria de trabalhadores formada pelos empregados.

Portanto, em nossa visão, o pagamento passível de sofrer a incidência das contribuições previdenciárias (segundo a norma constitucional de competência tributária) é aquele referente aos salários dos empregados, cuja natureza é a de contraprestação pelos serviços prestados sob regime empregatício. Não se incluem no conceito os valores entregues aos empregados que são usados para prestação dos serviços.

Por isso, entendemos que as contribuições previdenciárias só poderiam incidir sobre a remuneração paga habitualmente e pela prestação de serviços. Nenhum dos dois requisitos, nos parece, estariam preenchidos no caso de pagamento do bônus de contratação.

Não há habitualidade, já que o valor, ainda que possa ser parcelado, é pago apenas por ocasião da contratação. Os valores tampouco decorrem da prestação de serviços, já que são avençados antes mesmo do início da vigência do contrato de trabalho.

Não só o bônus de contratação não preenche os requisitos para a configuração de salário de contribuição como, ainda, tem natureza nitidamente indenizatória, já que busca justamente a compensação pelos benefícios de que o profissional abriu mão na mudança de emprego.

Assim, em nosso entendimento, é possível concluir que os valores pagos a título de bônus de contratação não deveriam compor a base de cálculo das contribuições previdenciárias simplesmente porque tais pagamentos, além de eventuais, têm caráter indenizatório/compensatório, não estão dentro do campo de incidência das contribuições previdenciárias.

Recentemente, tem havido precedentes do Carf pela não incidência das contribuições previdenciárias sobre o bônus de contratação,[4] em linha com os argumentos expostos acima e em sentido favorável aos contribuintes.

Alguns desses precedentes[5] são formados em razão da aplicação do artigo 19-E da Lei 10.522/02, incluído pela Lei 13.988/20 e segundo o qual, em caso de empate de votos entre conselheiros representantes do contribuinte e conselheiros representantes do Fisco, o resultado deve ser favorável ao contribuinte.

Essa regra de desempate no Carf está sendo questionada, porém, no Supremo Tribunal Federal (STF) em três ações diretas de inconstitucionalidade a respeito do artigo 19-E da Lei 10.522 (ADIs 6.415, 6.399 e 6.403).

A matéria, portanto, ainda controvertida. No entanto, mesmo que não seja possível afastar o risco de questionamentos e autuações por parte da Receita Federal do Brasil, não se pode deixar de considerar que os contribuintes contam com bons argumentos para defender a não incidência das contribuições previdenciárias –reforçados pelos precedentes mais recentes do Carf.

 

[1] Acórdãos 9202-005.156, 9202-008.525, 9202-008.600, 9202-010.167, 9202-008.179

[2] Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

[3] Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

[4] Acórdãos 9202­007.637 e 9202-008.044

[5] Acórdãos 9202-009.762 e 9202-009.762