Um tema recorrente e ainda polêmico no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é a aplicação de multa isolada de 50% por não recolhimento de antecipações do Imposto de Renda de Pessoa Jurídicas (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) cumulada com a multa de ofício de 75%.

A discussão sobre a possibilidade de cobrança concomitante das multas em autuações de IRPJ e CSLL tem como cenário legal as disposições dos incisos I e II do artigo 44 da Lei 9.430/96, com redação dada pela Lei 11.488/07. Essa alteração legislativa divide a discussão em dois períodos.

Para os fatos geradores anteriores a 2007, isto é, ocorridos antes da alteração legislativa, o entendimento foi consolidado pelo afastamento da cobrança cumulada das multas. Foi mantida a exigência apenas da multa de ofício. Esse posicionamento já está sedimentado, tendo sido inclusive objeto da Súmula Carf 105, aprovada em 2014. Entretanto, para os fatos geradores ocorridos a partir de 2007, a discussão persiste.

Aqueles que defendem a possibilidade de cumulação alegam que a alteração promovida pela Lei 11.488/07 diferenciou as bases de cálculo para a incidência das duas multas (a multa de 50% passou a ser calculada sobre o pagamento mensal, enquanto a multa de 75% é calculada sobre a totalidade do tributo não recolhido), sanando o problema original de identidade de bases que impediria a duplicidade da cobrança. Ainda, em um argumento finalístico para justificar a dupla penalização, eles argumentam que a manutenção da penalidade é essencial para evitar o comportamento nocivo do contribuinte de evadir o recolhimento das estimativas.

Já os que defendem a impossibilidade de cumulação afirmam que, na forma anual de apuração do IRPJ e CSLL, as estimativas mensais, pelo próprio nome, seriam meras antecipações provisórias do eventual valor devido quando da realização do fato gerador, isto é, em 31 de dezembro de cada ano-calendário. Nesse sentido, o não recolhimento da estimativa seria um ilícito de “passagem”, um ato preparatório do ato de reduzir o IRPJ ou CSLL no final do ano, enquanto o não recolhimento da estimativa seria apenas o meio de execução para o não pagamento dos valores anuais. A base desse raciocínio é o princípio penal da consunção ou absorção, em que a penalidade-meio é absorvida pela penalidade-fim, não resistindo a aplicação de duas penalidades. Ainda, penalizar o contribuinte por uma mesma conduta com multa de 75%[1] e multa de 50% seria excessivo, ultrapassando a razoabilidade e a proporcionalidade exigida.

O cenário atual do Carf é de incertezas, com decisões nos dois sentidos, e muitas vezes em julgamentos com empate de votos (resolvidos pela disposição do art. 19-E da Lei 10.522/02, em favor do contribuinte).

A situação é agravada pela atual distribuição de competência para julgamento do tema nas turmas de Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), ou seja, os órgãos máximos de julgamento na esfera administrativa federal. Apesar de, tradicionalmente, esse ser um tema afeto apenas aos órgãos da 1ª Seção – responsável, nos termos do art. 2º, incisos, I, II e VI, do Regimento Interno do Carf (Ricarf) pelos processos administrativos que versam sobre IRPJ, CSLL e penalidades correlatas –, por força da Portaria Carf 15.081/20, essa competência foi provisoriamente estendida para a 3ª Turma da CSRF, responsável, a princípio, pelos julgamentos de contribuições ao PIS e Cofins, IPI, aduaneiros, IOF, entre outros. Portanto, atualmente, a depender da data de distribuição do recurso, o mesmo tema pode ser examinado por um dos dois órgãos superiores de julgamento: 1ª ou pela 3ª Turma da CSRF.

Em uma análise histórica, o contribuinte que tivesse seu pleito analisado pela 1ª Turma tinha melhor sorte, com decisão declarando a impossibilidade de concomitância, independentemente do ano do fato gerador, pela regra do art. 19-E da Lei 10.522/02 (vide acórdão 9101-005.986).

Já a 3ª Turma da CSRF, analisando o mesmo tema no âmbito dessa competência provisória, vem decidindo por maioria de votos pela possibilidade de manutenção da cobrança concomitante para os fatos geradores após 2007 (vide acórdão 9303-012.015).

Entretanto, a 1ª Turma da CSRF parece estar mudando de posicionamento, alinhando-se ao entendimento da 3ª CSRF. Na sessão de abril de 2022, por maioria de votos, a 1ª Turma negou provimento ao recurso especial do contribuinte e manteve a cobrança das multas de forma concomitante. O que parece ter sido decisivo para o revés da discussão foi a alteração da composição do órgão, com a entrada do conselheiro suplente Gustavo Guimarães Fonseca, que expôs seu posicionamento para manter a cobrança das multas de forma concomitante.

Essa alteração de jurisprudência, a nosso ver, torna visível a insegurança jurídica emanada pelo órgão e a instabilidade da jurisprudência formada.

No âmbito judicial, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que deve ser aplicado o princípio da consunção em situações de concomitância de cobrança de multa isolada e multa de ofício por falta de recolhimento de tributo apurado ao fim do exercício e por falta de antecipação sob a forma estimada,[2] visto que a infração mais grave abrange a menor.

O entendimento trazido pela Segunda Turma do STJ vai de encontro ao posicionamento adotado por parte dos julgadores do Carf quando delimitam a aplicação da Súmula Carf 105 a fatos geradores ocorridos antes de 2007.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, não tem recursos afetados à repercussão geral que discutam teses idênticas, mas, tomando por base que a imposição concomitante dessas multas resulta na cobrança de penalidade em mais de 100% do tributo, na linha das decisões anteriores da Corte Suprema,[3] [4] teríamos o afastamento da cobrança pelo reconhecimento do caráter confiscatório.

Embora não sejam de observância obrigatória para as turmas do Carf, na forma do art. 62, § 1º do inciso II, alínea "b", do Anexo II do Ricarf, essas decisões sinalizam a interpretação normativa pelos órgãos máximos do Judiciário e deveriam ser consideradas precedentes determinantes para o correto deslinde do feito. A expectativa é que o Carf repense seu posicionamento e afaste a cobrança de multas cumuladas, consolidando um cenário que respeite as balizas do nosso ordenamento jurídico para a aplicação de penalidades.

 


[1] Sem considerar a existência de fraude ou simulação que pode agravar a multa em 150%.

[2] AgRg no REsp 1.499.389/PB, rel. ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/9/2015; REsp 1.496.354/PR, rel. ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 24/3/2015.

AgInt no AREsp 11603525/RJ, rel. ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, Dje 25/11/20020

[3] A.g Reg no RE 833.106/GO

[4] Recentemente, foi reconhecida a repercussão geral no Tema 1.195 a fim de analisar a questão constitucional referente à “possibilidade de fixação de multa tributária punitiva, não qualificada, em montante superior a 100% do tributo devido”.