Após quase cinco anos desde a propositura do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 0017610-97.2016.4.03.0000, a controvérsia sobre a necessidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) nos casos de responsabilidade tributária foi julgada pelo Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em sessão realizada no último dia 10 de fevereiro.

O voto que prevaleceu no caso foi exarado pelo desembargador Wilson Zauhy, que concluiu pela procedência parcial do pedido para estabelecer a tese de que “Não cabe instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses de redirecionamento da execução fiscal desde que fundada, exclusivamente, em responsabilidade tributária nas hipóteses dos artigos 132, 133, I e II, 134 do CTN, sendo o IDPJ indispensável para a comprovação de responsabilidade em decorrência de confusão patrimonial, dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto social (CTN, art. 135, incisos I, II e III), e para a inclusão das pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, desde que não incluídos na CDA, tudo sem prejuízo do regular andamento da execução fiscal em face dos demais coobrigados.”.

Em seu voto, o desembargador enfrentou a controvérsia por três prismas: o cabimento do IDPJ em sede de execução fiscal, a necessidade de instauração prévia de IDPJ nos casos de responsabilidade tributária e, ainda, a necessidade de sobrestamento do feito executivo com relação aos demais coobrigados, originariamente executados.

Ao tratar do cabimento do IDPJ em sede de execução fiscal, o desembargador Wilson Zauhy considerou que a instauração de tal incidente seria possível por força do artigo 4º,§ 2º, da Lei nº 6.830/80, o qual estabelece a sujeição das cobranças fiscais às regras de responsabilidade previstas na lei civil, dentre as quais se destaca a desconsideração da personalidade jurídica, preconizada no artigo 50 do Código Civil.

Além disso, o desembargador ressaltou que as alterações introduzidas ao Código Civil pela Lei nº 13.874/19 ratificariam o cabimento da desconsideração da personalidade jurídica no bojo das cobranças tributárias. Isso porque a nova redação dada ao artigo 50 do Código Civil teria definido de forma ampla os conceitos de desvio de finalidade e confusão patrimonial, os quais, no entendimento dele, contemplariam as hipóteses de excesso e abuso de poder, previstas no artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN).

Fixada a premissa de que seria cabível a instauração do IDPJ em sede de execução fiscal, o voto enfrenta a obrigatoriedade do manejo de tal procedimento nos casos de responsabilidade tributária. Para isso, o desembargador entendeu ser importante diferenciar a responsabilidade legal prevista nos artigos 132, 133 e 134 do CTN daquela estabelecida nos artigos 124 e 135 do mesmo diploma legal.

Segundo o desembargador, a responsabilidade tributária prevista nos artigos 132, 133 e 134 do CTN depende da ocorrência de determinados fatos objetivos que não demandam ampla dilação probatória. É o caso da atribuição de responsabilidade tributária à empresa que resultar da fusão, incorporação ou transformação de outra, àquele que adquiriu fundo de comércio, estabelecimento comercial ou industrial e, ainda, àqueles que respondem subsidiariamente pela dívida de terceiros, como é o caso dos sócios que respondem pelas dívidas tributárias da sociedade liquidada.

Situação diversa seria aquela prevista nos artigos 124 e 135 do CTN, os quais pressupõem a presença de determinado elemento volitivo por parte do terceiro a quem a responsabilidade pretende ser imputada. É o caso da responsabilização daqueles que teriam interesse comum na ocorrência do fato gerador e, ainda, dos diretores que praticam atos com excesso de poderes.

Especificamente para as hipóteses previstas nos artigos 124 e 135 do CTN, o desembargador Wilson Zauhy entendeu ser necessária a instauração do IDPJ, a fim de se comprovar, mediante amplo contraditório, a presença do elemento volitivo do terceiro a quem se pretende imputar a responsabilidade tributária. Tal presença não pode ser presumida.

Para corroborar tal entendimento, o desembargador fez menção à Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica, consagrada no Código Civil e ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça. Segundo essa teoria, a desconsideração da personalidade jurídica pressupõe a comprovação cabal da ocorrência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, não sendo lícito ao intérprete presumir tais fatos.

No mais, quanto à necessidade de sobrestamento do feito executivo enquanto tramitar o IDPJ, o desembargador esclareceu que a melhor interpretação a ser dada para a celeuma é a de que a lide não se suspenderá, devendo prosseguir com relação aos demais coobrigados.

Apesar de o julgamento ter sido finalizado no âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a solução dada à controvérsia não é definitiva. Em face do acórdão proferido, é cabível interpor recurso especial e recurso extraordinário, os quais serão automaticamente indicados para tramitação sob a mesma sistemática dos recursos repetitivos. Assim, a tese a ser definida pelas cortes superiores será aplicável de modo uniforme em todo território nacional, nos termos do artigo 987 do Código de Processo Civil.