Em compasso com o objetivo de aproximar fisco e contribuinte, reduzindo o contencioso tributário com o uso de métodos alternativos ou adequados, foram publicadas no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro as Resoluções PGE 4.826 e 4.827, de 16 de março de 2022, que regulamentam, respectivamente, o negócio jurídico processual (NJP) e o procedimento de autocomposição de controvérsias envolvendo a Administração Pública Estadual.

 

Negócio jurídico processual (NJP) – Resolução PGE 4.826/22

 

A Resolução PGE 4.826/22 busca aprimorar a celebração de negócios jurídicos processuais no âmbito da Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro. Ela revoga a Resolução 4.324/19, ampliando as possibilidades de negociação e estabelece um conjunto de regras mais detalhadas para que o estado e os contribuintes celebrem NJPs.

A linha mestra para o avanço da celebração de NJPs continua sendo a redução da litigiosidade, a eficiência na cobrança da dívida ativa e o estímulo à conformidade fiscal, mas o instrumento também prestigia a autonomia da vontade das partes, a cooperação processual, a segurança jurídica e a capacidade financeira dos contribuintes com débitos em aberto perante a Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro.

De acordo com a nova norma, são passíveis de NJP todos os créditos inscritos ou não em dívida ativa (exceto planos de amortização, em que a dívida deve estar inscrita), judicializados ou não, sendo vedada a redução de valores.

Entre as diversas possibilidades de celebração de NJP trazidas pelo art. 10 da Resolução 4.826, chamam a atenção aquelas que ainda não eram regulamentadas:

  • plano de amortização;
  • aceitação, avaliação, substituição, liberação ou execução de garantias, inclusive previamente ao ajuizamento da execução fiscal;
  • garantia fidejussória dos administradores e/ou sócios da pessoa jurídica devedora ou de terceiros;
  • legitimidade extraordinária concorrente entre os sócios-administradores;
  • meios executórios;
  • definição do administrador-depositário na penhora de faturamento, empresa ou estabelecimento;
  • inclusão, permanência ou exclusão do direito em redes de proteção de crédito ou de protesto de certidão de dívida ativa, quando for o caso, ou a submissão desses atos a termo ou condição;
  • calendarização do processo;
  • novas modalidades de atos de comunicação processual, inclusive por correio eletrônico ou aplicativos de trocas de mensagens; e
  • parcelamento de honorários de sucumbência.

A Resolução 4.826 contém capítulos específicos para tratar do plano de amortização, da calendarização do processo e da antecipação de garantia.

Para a celebração de NJP envolvendo plano de amortização, a resolução dispõe que poderão ser negociados apenas débitos cujo valor seja igual ou superior a 500 mil UFIR-RJ, a serem quitados no prazo máximo de 120 meses, sendo obrigatório o oferecimento de garantia.

Existe a possibilidade de incluir créditos não ajuizados no plano de amortização, desde que o contribuinte concorde expressamente com o ajuizamento da execução fiscal e com a incidência dos encargos legais correspondentes.

Sem considerar as peculiaridades de cada caso, são deveres do contribuinte em termos gerais: a confissão irrevogável e irretratável dos débitos inseridos no NJP; o compromisso de garantir ou parcelar, no prazo máximo de 30 dias, todos os débitos que vierem a ser inscritos em dívida ativa após a celebração do NJP; e o compromisso de manter a sua regularidade perante a Secretaria de Estado da Fazenda.

O NJP que versar sobre plano de amortização do débito, ainda, pode suspender atos constritivos nos processos correspondentes de execução, mas não suspende a exigibilidade dos créditos tributários. A concessão de certidão de regularidade fiscal fica condicionada ao cumprimento dos requisitos previstos nos arts. 205 e 206 do CTN[1] e ao oferecimento como cláusulas do plano de amortização.

 

Calendarização do processo

 

Sem maiores detalhes a respeito, a Resolução 4.826 estabelece apenas que as partes poderão, de comum acordo, estabelecer calendário para a prática de atos processuais judiciais, nos termos do art. 191 do CPC.[2]

Para celebrar NJP visando a calendarização, a PGE deverá considerar, além do disposto nos arts 2º e 3º da Resolução 4.826,[3] o interesse do contribuinte em reduzir os custos despendidos com a manutenção de garantia, os impactos da assunção do ônus previsto no art. 191, §2º, para organização administrativa e a vantajosidade decorrente de outras cláusulas.

 

Antecipação de garantia

 

A Resolução 4.826 também prevê a possibilidade de negociação entre fisco e contribuinte para oferecimento de garantia antes do ajuizamento da execução fiscal ou da inscrição do débito em dívida ativa.

Ao realizar a análise da garantia ofertada, a PGE deve considerar o disposto no art. 11 da Lei 6.830/80 e no art. 835 do CPC, que estabelecem a ordem preferencial da penhora.

 

Autocomposição de controvérsias – Resolução PGE 4.827/22

 

A Resolução PGE 4.827 regulamenta, no âmbito da Procuradoria-Geral do Estado, o procedimento de autocomposição de controvérsias envolvendo a Administração Pública Estadual e institui medidas para a redução da litigiosidade administrativa e judicial.

Com um texto bastante inovador, a resolução pressupõe obtenção de benefícios mútuos para os envolvidos, obedecendo aos princípios constitucionais (implícitos e explícitos) da legalidade, da voluntariedade, da autonomia, da oralidade, da boa-fé, da desburocratização, da eficiência e da economicidade.

A definição de autocomposição está prevista no §3º do art. 1º da resolução como a “hipótese em que o Estado apresenta memória de cálculo, nos termos do art. 509, §2º, do Código de Processo Civil, e o credor manifesta anuência aos seus termos a fim de encerrar o litígio, renunciando a eventuais diferenças a maior”.

Outros conceitos interessantes abordados pela resolução são os de “negociação” e “mediação”. A negociação é trazida como sendo a “técnica de solução de conflitos judicializados ou não, caracterizada pela busca da autocomposição mediante interlocução direta entre os envolvidos, sem qualquer intervenção de terceiro como auxiliar ou facilitador”. A negociação poderá ser realizada de forma preventiva, como forma de evitar litígios ainda não judicializados.

A mediação, por sua vez, é definida como a “atividade de solução consensual de conflitos, na qual o mediador, atuando preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, sem poder decisório, auxiliará e estimulará os interessados a identificar ou desenvolver, por si próprios, soluções consensuais para a controvérsia”.

A resolução prevê, ainda, a possibilidade de se realizar acordo judicial – definido como sendo toda autocomposição firmada quando exista processo judicial em trâmite –, em qualquer fase processual, inclusive após o trânsito em julgado da fase de conhecimento, que pode englobar parcial ou integralmente o litígio.

A celebração dos termos de autocomposição com o objetivo de prevenir ou encerrar litígios observará, entre outros critérios estabelecidos no art. 4º da resolução, a probabilidade de êxito das teses defendidas pelas partes, a viabilidade jurídica e a economicidade do acordo para o estado.

O procedimento para a celebração dos termos de autocomposição deverá observar as regras estabelecidas na Resolução PGE 4.710/21, que criou o Núcleo de Autocomposição da Procuradoria Geral do Estado – NAC/PGE.

 


[1] Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido.

Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do requerimento na repartição.

Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.

[2] Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso.

  • O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.
  • Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.

[3] Art. 2º - A celebração de NJP será orientada de modo a promover:

I – a redução da litigiosidade e a menor onerosidade dos instrumentos de cobrança;

II – a eficiência na cobrança da dívida ativa;

III – o estímulo à conformidade fiscal;

IV – a autonomia da vontade das partes;

V – a cooperação processual e a segurança jurídica;

VI – a adequação dos instrumentos de cobrança à capacidade financeira dos devedores da dívida ativa do Estado;

VII – a concorrência leal entre os devedores; e

VIII – a publicidade, a impessoalidade e o interesse público.

Art. 3º - A celebração de NJP poderá ser condicionada à demonstração de interesse do ente público nas cláusulas do negócio, considerando:

I – a capacidade econômico-financeira do devedor;

II – o perfil da dívida;

III – a vantajosidade ao Erário, manifestada, sem prejuízo de outras hipóteses, por meio:

  1. Da previsão de prazo certo para liquidação das dívidas;
  2. Do oferecimento de garantias dotadas de suficiência e liquidez;
  3. Da comparação com o tempo, os custos e a perspectiva de êxito com as estratégias administrativas e judiciais habituais de cobrança; e
  4. Da perspectiva de retorno do devedor à conformidade fiscal inclusive quanto aos débitos anteriores.