Um aspecto que é objeto de debate frequente nos tribunais administrativos com competência para apreciar questionamentos apresentados em face de cobrança de créditos tributários é a possibilidade de a autoridade administrativa, após a lavratura do auto de infração, modificar os fundamentos invocados na acusação ou mesmo introduzir novos elementos para fortalecer sua motivação.

O ato administrativo de lançamento tributário formaliza a constituição do crédito tributário. Ao praticar o ato, a autoridade administrativa externa a sua interpretação dos dispositivos legais que entende serem aplicáveis à espécie e veicula a cobrança do tributo acrescido da penalidade. O exercício da garantia da ampla defesa e do contraditório pelo contribuinte é direcionado ao confronto dos fundamentos expostos pela acusação, a qual tem o condão de fixar os critérios que serão submetidos ao controle de legalidade.

O Código Tributário Nacional (CTN) dispõe no artigo 146[1] que a modificação do critério jurídico adotado em um lançamento, seja decorrente de um ato de ofício da autoridade ou em virtude de decisão de um órgão administrativo de julgamento ou judicial, somente poderá ser alterado em relação aos fatos subsequentes à sua introdução.

Em outras palavras, depois de efetuado um lançamento, o critério jurídico nele refletido não poderá ser modificado no que toca aos fatos compreendidos naquele ato. Desse modo, mesmo que a própria Administração Pública constate que foi adotado um entendimento equivocado, a alteração dele é vedada com o fim de justificar o ato já praticado.

O controle de legalidade do lançamento é exercido tendo como base tão somente o ato administrativo praticado e, por conseguinte, não tem a função de impor que a Administração siga aquele entendimento para períodos subsequentes. Veda-se a modificação do critério jurídico adotado para a exigência do tributo constituído. No que concerne aos fatos posteriores, o critério novo poderá ser empregado e não há vinculação necessária a lançamento anterior.

De acordo com as prescrições do CTN nos artigos 145 e 149, há hipóteses específicas e delimitadas nas quais o lançamento efetuado poderá ser alterado. Não existe entre elas, porém, situação que autorize uma alteração da interpretação dos dispositivos legais invocados pelo agente que praticou o ato nem a possibilidade de acréscimo de elementos em caso de constatação de equívoco na fundamentação inicial.

Esse aspecto é de grande relevância porque, ao contestar um auto de infração, o contribuinte apresenta as razões que justificam a conduta por ele adotada e os documentos que respaldam suas alegações. Assim, após a contestação do contribuinte, a autoridade administrativa não poderá rever espontaneamente o ato e implementar ajustes.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) tem diversos julgados a respeito do tema, e não há uniformidade entre eles. Um exemplo da aplicação acertada do óbice imposto pelo artigo 146 do CTN no tocante à retificação do auto de infração após a notificação do contribuinte é verificado no acórdão 3401-005.943, ocasião em que o relator, Conselheiro Lázaro Soares, corretamente sustentou não ser possível modificar a fundamentação do lançamento. Todavia, o conselheiro esclareceu que a vedação diz respeito apenas ao passado, não cerceando a atividade da Administração no que concerne a lançamentos futuros. Veja-se trecho esclarecedor do acórdão:

(...) 34. O que não se permite é que a Autoridade Tributária, identificando um lançamento com fundamentação legal equivocada, tendo ocorrido um erro de direito, venha a alterar tal fundamento, substituindo-o por outro e acarretando, assim, um agravamento da situação do contribuinte naquela mesma autuação, referente ao mesmo fato gerador, sobre o pretexto de adequar o ato administrativo à legislação vigente. No entanto, nada impede que, em futuros lançamentos, faça tal correção, mesmo para fatos geradores passados. (...)

O acórdão 1401-002.822 também enfrentou situação semelhante, na qual o lançamento foi cancelado porque a decisão de primeira instância invocou um fundamento que não tinha sido suscitado pelo auto de infração originário. Tal circunstância, segundo exposto pela decisão, implica no cerceamento do direito de defesa do contribuinte, uma vez que, necessariamente, a defesa se dirige ao confronto dos argumentos da acusação.

Entretanto, a despeito da identificação dos julgados acima, que bem aplicaram o comando emergente do artigo 146 do CTN, há julgados recentes em que se podem constatar equívocos de duas ordens: i) a avaliação que toma como referência um lançamento anterior; e, ii) a conclusão de que novos argumentos invocados, desde que chancelem a infração descrita na acusação, não configuram alteração de critério jurídico. O entendimento refletido no acórdão 9303-008.195,[2] a um só tempo, contraria o objetivo colimado pelo artigo 146, visto que invoca como critério de comparação lançamento anterior e, igualmente, afirma que a modificação do fundamento legal, desde que mantida a descrição fática, não caracteriza alteração de critério jurídico.

Embora a jurisprudência do CARF demonstre que o tema não está pacificado, entendemos que há sinais positivos e exemplos de aplicação acertada da vedação à modificação do critério jurídico adotado pelo lançamento. Quanto à preservação da garantia do devido processo legal e da ampla defesa, a conexão com o artigo 146 do CTN diz respeito à identificação precisa da acusação, que permitirá ao contribuinte exercitar seu direito plenamente.

Não é coerente com a garantia da ampla defesa a autorização para que a Administração, no desempenho da função de constituir crédito tributário, possa alterar os fundamentos da acusação sempre que o contribuinte se defender e apresentar argumentos e documentos que demonstrem o acerto da sua conduta. Não se admite que o órgão acusador, escorado no objetivo final de manter a acusação, invoque novos fundamentos em diversas oportunidades. A acusação deve ser precisa e conter todos os elementos ao ser efetivada e, em matéria tributária, o limite está previsto no artigo 146 do CTN, com regra expressa que veda modificação dos fundamentos do lançamento.


[1] “Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.”

[2] “A alteração de critério jurídico que impede a lavratura de outro Auto de Infração diz respeito à alteração da legislação aplicável a um mesmo fato para um mesmo sujeito passivo. Mantendo-se a descrição do fato e a infração a ele imputada, argumentos adicionais, que levam à mesma infração, não caracterizam alteração de critério jurídico.”