A Medida Provisória nº 899/19, já conhecida como MP do Contribuinte Legal, foi publicada em 17 de outubro deste ano com o objetivo de reduzir o contencioso tributário e reaver créditos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação. Para isso, a MP prevê a possibilidade de realizar uma transação para pôr fim a litígios administrativos ou judiciais na esfera federal.

A possibilidade de transação entre poder público e contribuintes em matéria tributária é admitida desde 1966 pelo artigo 171 do Código Tributário Nacional (CTN),[1] que exige, contudo, previsão legal específica do ente competente.

As hipóteses e modalidades de transação que passam a ser admitidas, e suas peculiaridades, são analisadas a seguir. As condições ainda estão sujeitas à regulamentação e à disciplina a ser estabelecida, conforme o caso, pelas autoridades indicadas na MP.

  1. Transação em relação à dívida ativa da União

Pressupõe a existência de crédito já inscrito em dívida ativa, de natureza tributária ou não. Pode ser proposta pela procuradoria competente – em caráter individual ou por adesão – ou pelo devedor.

A transação poderá versar sobre: (i) concessão de descontos para créditos classificados pela autoridade fazendária como irrecuperáveis ou de difícil recuperação; (ii) prazo ou forma de pagamento, inclusive diferimento e moratória; e (iii) oferecimento, substituição ou alienação de garantias ou de constrições.

Essa hipótese de transação só permite, portanto, proposta de redução de valores para dívidas consideradas irrecuperáveis ou de difícil recuperação, conforme critérios que serão disciplinados em ato do procurador-geral da Fazenda Nacional (PGFN), e desde que inexistam indícios de esvaziamento patrimonial fraudulento.

O valor total da dívida poderá ser reduzido em até 50%, com possibilidade de pagamento em até 84 meses, para as empresas em geral. Para pessoas naturais, empresas de pequeno porte e microempresas a redução pode chegar a 70%, com prazo de pagamento de até 100 meses.

A MP veda redução no valor do principal, transações sobre multas aplicadas por fraude, sonegação, conluio ou qualquer multa de natureza penal, além de transações sobre débitos relativos ao Simples Nacional ou FGTS.

A transação individual deverá ser assinada pelo PGFN ou autoridade por ele delegada.

  1. Transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica

A transação por adesão é aquela proposta pelo poder público e sujeita à aceitação dos contribuintes que satisfizerem as condições e requisitos para tanto. Será realizada exclusivamente por adesão a ser formalizada eletronicamente, conforme proposta a ser feita pelo ministro da Economia para encerrar litígios tributários ou aduaneiros. A transação deverá versar sempre sobre litígios considerados relevantes e cuja tese jurídica em discussão envolva número considerável de contribuintes. A existência de processo administrativo ou judicial em curso é, portanto, condição para celebrar a transação nessa hipótese.

A proposta de transação deverá ser divulgada na imprensa oficial e no site dos respectivos órgãos na Internet, com edital especificando condições e requisitos, inclusive as reduções ou concessões oferecidas, prazos e formas de pagamento. É vedada a transação sobre dívidas relativas ao Simples Nacional ou ao FGTS, e o prazo máximo para quitação não poderá ser superior a 84 meses.

  1. Demais disposições e pontos de atenção

Em qualquer das hipóteses de transação, deve prevalecer a boa-fé do poder público e do contribuinte. Por isso, é vedada a transação em caso de dolo, fraude, simulação, prevaricação, concussão ou corrupção passiva e esvaziamento patrimonial fraudulento, entre outros.

Ao celebrar a transação para pôr fim ao litígio tributário, o devedor deve renunciar a todas as alegações de direito que fundamentam os processos judiciais ou administrativos.

Especificamente no caso de processos judiciais, a renúncia deve envolver também ações coletivas, e o devedor deve requerer ao juiz a extinção do processo com resolução do mérito, por homologação de renúncia à pretensão formulada.

Há aqui um ponto de atenção, que se espera seja corrigido na regulamentação da norma: a MP trata de autêntica hipótese de transação, com referência expressa ao artigo 171 do CTN. A transação é um mecanismo de autocomposição por meio do qual as partes promovem concessões mútuas com o objetivo de encerrar o litígio.[2] Sendo assim, o mais adequado seria que o requerimento formulado ao juízo tivesse por finalidade encerrar o processo com resolução do mérito para homologação da transação. A própria MP faz referência à homologação judicial do acordo para fins de formação de título executivo judicial.

Longe de qualquer preciosismo, o esclarecimento é necessário para evitar controvérsias paralelas entre poder público e contribuinte, já que o tratamento dado à responsabilidade por custas e honorários advocatícios é distinto em cada caso: tratando-se de renúncia pura e simples, as despesas processuais e honorários serão pagos por quem renunciou. Tratando-se de típica transação, com concessões mútuas de parte a parte para encerramento do litígio (redução da dívida com o encerramento do processo), não se pode cogitar a condenação em ônus de sucumbência.

Outro aspecto obscuro diz respeito ao tratamento da dívida tributária ainda não inscrita, mas cujo processo administrativo já tenha se encerrado. Aparentemente, pela disciplina da MP, essa dívida não seria passível de transação. O mesmo parece ocorrer em relação à obrigação tributária impugnada judicialmente pelo sujeito passivo em medida preventiva (mandado de segurança ou ação declaratória, por exemplo), mas cujo crédito tributário ainda não tenha sido constituído.

Não parece haver razoabilidade na exclusão dessas situações do campo transacional. Nem se poderia dizer que faltaria interesse à União em celebrar transação com o particular nessa hipótese por ausência de processo a ser encerrado, no primeiro caso, e de crédito constituído, no segundo.

A objeção não se sustenta porque a litigiosidade não termina pelo simples fato de a esfera judicial ainda não ter sido instaurada. Da mesma forma, ela existe quando se discute judicialmente a obrigação tributária não constituída. Se, ao fim e ao cabo, o objetivo buscado é reduzir a litigiosidade, tão importante quanto encerrar processos em curso é evitar sua instauração. E é irrelevante também, para tal finalidade, que os créditos estejam constituídos ou não.

Ainda na hipótese de transação por adesão, merece especial atenção, no que tange ao contencioso tributário de disseminada e relevante controvérsia jurídica, a necessidade de renúncia de direito em todos os processos que envolvam a mesma tese. Em princípio, não seria possível selecionar casos específicos.

Expostas as linhas mestras da MP, a disciplina que venha a ser estabelecida pelas autoridades competentes – conforme o caso, ministro de Estado da Economia, advogado-geral da União, procurador-geral da Fazenda Nacional e secretário especial da Receita Federal do Brasil – moldará o sucesso ou fracasso dos objetivos visados.


[1] Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.

Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.

[2] A única hipótese contemplada na MP que não representa típica hipótese de transação é a possibilidade de acordo sobre o oferecimento, substituição ou alienação de garantias e constrições, que constitui espécie de negócio jurídico processual, nos termos do art. 190 do Código de Processo Civil.