A propositura de mandado de segurança por associações tem se tornado cada vez mais comum no âmbito do direito tributário. A existência de decisão favorável transitada em julgado, capaz de beneficiar todos os associados independentemente da data de filiação, tem atraído o interesse de empresas dos mais diversos setores, as quais, em muitas situações, têm deixado de propor ações individuais para se valerem das ações coletivas ajuizadas por associações.

É importante, porém, avaliar os riscos envolvidos nessa prática, especialmente considerando a recente decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que entendeu pela ilegitimidade ativa de associação considerada genérica para fins de propositura de mandado de segurança coletivo.

Antes de nos determos nesse precedente, é importante retomar algumas premissas e entendimentos jurisprudenciais relativos ao tema.

Como se sabe, o mandado de segurança coletivo é modalidade de ação coletiva, prevista no artigo 5º, inciso LXX, da Constituição Federal, que visa assegurar o direito líquido e certo dos membros de partido político com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano.

Em relação às associações, definidas pelo Código Civil como “a união de pessoas que se organizam para fins não econômicos” (artigo 53), o STF editou em 2003 a Súmula 629, por meio da qual definiu que “a impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes”.

Em 2009, com a criação da Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/09), foi estabelecido que as associações constituídas regularmente, em funcionamento há pelo menos um ano, poderiam impetrar mandado de segurança coletivo, desde que pertinente às suas finalidades, dispensando-se, nesses casos, a apresentação de autorização por parte dos associados.

Apesar disso, o debate envolvendo a legitimidade ativa das associações em mandado de segurança coletivo não se encerrou. Passou-se a questionar a necessidade de a associação apresentar a lista dos seus associados no momento da propositura do mandado de segurança coletivo e, ainda, se aqueles que viessem a se associar após a propositura do writ poderiam se beneficiar da eventual decisão judicial favorável.

Esse tema foi submetido à análise do STF nos autos do Recurso Extraordinário 1.293.130 (Tema STF 1119), submetido à repercussão geral. Foi definido que “é desnecessária a autorização expressa dos associados, a relação nominal destes, bem como a comprovação de filiação prévia, para a cobrança de valores pretéritos de título judicial decorrente de mandado de segurança coletivo impetrado por entidade associativa de caráter civil”.

Esse entendimento foi amparado na interpretação dada ao artigo 5º, incisos XXI e LXX, alínea “b”, da Constituição Federal, no sentido de que, no mandado de segurança coletivo, ao contrário do que ocorre nas demais ações coletivas,[1] a associação que o impetrou atua como substituto processual (e não como mero representante processual).

De fato, em se tratando de substituição processual, há expressa previsão legal permitindo que o substituto aja em nome próprio para defesa de direito alheio, exceção à regra prevista no artigo 18 do Código de Processo Civil. Assim, por se tratar de autorização segundo a lei, é desnecessária a apresentação de autorização por parte do substituto.

O acórdão em questão foi objeto de embargos de declaração por parte da União, que buscou, entre outros pontos, afastar a aplicação da tese firmada para as chamadas associações genéricas. Apesar de os embargos terem sido rejeitados por unanimidade, o ministro Luís Roberto Barroso registrou em seu voto que a situação envolvendo a propositura de mandado de segurança coletivo por “associações genéricas, que não representam quaisquer categorias econômicas e profissionais específicas” não havia sido objeto daquele tema, mas poderia ser analisada futuramente pela Suprema Corte.

Nesse contexto jurisprudencial, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE 1.339.496, decidiu por maioria de votos, no dia 7 de fevereiro, pela ilegitimidade ativa de associação considerada genérica para fins de propositura de mandado de segurança coletivo, afastando a tese fixada no Tema STF 1119.

De acordo com o ministro André Mendonça, que proferiu o voto vencedor no mencionado ARE, o afastamento da tese em questão se deve à ressalva feita pelo ministro Luís Roberto Barroso nos autos do Tema STF 1119.

A seu ver, as associações genéricas não estariam submetidas à tese firmada no paradigma em questão uma vez que, “sem a determinação razoável das suas finalidades sociais, a associação deixa de informar ao Estado-juiz e à parte contrária quem de fato substitui ou representa. À ausência dessas informações essenciais sobre a associação, os demais sujeitos do processo têm por fulminadas suas correspondentes tarefas judicantes, na medida em que, não se sabe previamente a que fim se orienta a associação e com isso quais filiados ela, de fato, substitui. Daí é certa a afirmação de que a criação de uma associação sem uma determinação minimamente delineada de seu objetivo repercutirá na ofensa a princípios basilares do processo de envergadura constitucional, como o acesso à justiça, devido processo legal, contraditório e ampla defesa”.

Partindo dessas premissas, ao analisar o caso concreto, o ministro pontuou que a associação que impetrou o mandado de segurança coletivo “não categoriza qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos, visto que é constituída à congregação de pessoas físicas e jurídicas contribuintes de tributos federais, municipais e estaduais, pessoas jurídicas ou físicas, entre outras, ou seja, ela pode ser uma associação de todos os brasileiros que pagam tributos em sua essência.

Por esse motivo, o ministro concluiu que “ante a notória indefinição do seu objeto, poderia a referida associação laborar em prol de todo e qualquer contribuinte sem a menor identificação de circunstância, classe ou origem comum (...) [razão pela qual,] não operada, no caso, a substituição processual preconizada em sede de mandado de segurança coletivo, conforme encartado no artigo 5º, LXX, “b”, da Constituição”.

Os ministros Nunes Marques, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes proferiram seus votos em acordo com o voto do ministro André Mendonça. Restou vencido o ministro relator Edson Fachin, que entendeu pela aplicação da tese fixada no Tema STF 1119, reconhecendo a legitimidade ativa da associação impetrante. Aguarda-se a publicação do acórdão.

Apesar de o julgado não ter definido de forma assertiva o que seria uma associação genérica, o que poderá dar margem a muita discussão, o fato é que foram mencionados alguns aspectos tidos como indícios para caracterizar a associação como tal. São eles: poucos associados ou ausência deles, especialmente na circunscrição na qual o mandado de segurança foi impetrado, existência de objeto amplo que não permita delimitar grupo certo e específico e comercialização dos provimentos jurisdicionais favoráveis.

Outra questão que se coloca é se as associações consideradas genéricas não poderão impetrar em hipótese alguma mandado de segurança coletivo. Ou ainda se, caso sejam apresentadas a autorização e lista nominal dos associados, o possível vício será considerado sanado, permitindo-se a propositura da demanda.

Embora o tema não tenha sido decidido de forma exaustiva e definitiva, é inegável que o julgado representa um ponto adicional de atenção àqueles que pretendem se valer de decisão transitada em julgado no âmbito de mandado de segurança coletivo proposto por associação. Isso porque há o risco de o aproveitamento da coisa julgada formada no writ ser obstado devido à ilegitimidade ativa da associação que o propôs.

Essa situação reforça a importância de se avaliar previamente os riscos envolvidos no aproveitamento de coisa julgada decorrente de mandado de segurança coletivo, especialmente no que diz respeito às características da associação que propôs a demanda.

Estamos à disposição para auxiliá-los com essa questão.

 


[1] RE nº 573.232 e RE 612.043.