Desafio e inovação foram palavras que certamente representaram o ano de 2022 para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Os primeiros meses do ano foram marcados pela paralisação das sessões de julgamento devido à adesão de parte dos conselheiros do órgão à greve dos auditores fiscais. Sem o quórum mínimo de conselheiros para julgamento, as sessões tiveram que ser suspensas.

Ainda no primeiro semestre, uma relevante e inesperada mudança: a nomeação do conselheiro Carlos Henrique de Oliveira para a presidência do Carf, em substituição à conselheira Adriana Rêgo, que presidiu o órgão durante todo o período pós-Operação Zelotes.

No início do segundo semestre, os auditores fiscais chegaram a um acordo sobre a extensão da greve e as sessões de julgamento do órgão foram finalmente retomadas. Em um primeiro momento, apenas as turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) retomaram as atividades judicantes (já com o novo presidente no comando), mas logo foram seguidas pelas turmas ordinárias.

No mês de setembro, houve uma inovação: pela primeira vez em sua história, o Carf realizou uma sessão presencial fora de Brasília. A mudança foi resultado da implementação de uma medida anunciada pelo presidente Carlos Henrique de Oliveira logo no início do seu mandato. As sessões da CSRF foram realizadas em São Paulo, levando assim os julgamentos para mais perto dos contribuintes.

O ano de 2022 foi marcado também por inovação em importantes temas tributários, além de grandes reviravoltas na jurisprudência mais consolidada. Seja pela alteração na composição dos colegiados da turmas da CSRF ou pelo novo critério de desempate em favor dos contribuintes, temas importantes tiveram novos debates, que muitas vezes resultaram em novos resultados.

Na trilogia de artigos a que daremos sequência nas próximas semanas, serão tratados os principais temas de cada uma das três turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf. Neste primeiro artigo da trilogia, fazemos a retrospectiva de julgamentos na 1ª Turma da CSRF.

Julgamentos na 1ª Turma da CSRF em 2022

Na 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, responsável pelo julgamento de processos envolvendo IRPJ e CSLL, alterações na composição do colegiado provocaram mudanças no entendimento histórico do órgão.

O grande destaque foram as mudanças nas discussões relacionadas à amortização de ágio em aquisições de participação societária. A 1ª Turma afastou a aplicação de multa qualificada em operações com ágio com empresa “veículo” (acórdão 9101-006.292) e com ágio interno (acórdão 9101-006.153). De maneira absolutamente inovadora, reconheceu a possibilidade de dedução, de despesas de ágio gerado intragrupo (acórdão 9101-006.373) da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Especificamente com relação à dedutibilidade das despesas de ágio da base de cálculo da CSLL, até o início de 2022, as decisões eram favoráveis aos contribuintes, aplicando-se critério distinto do IRPJ (acórdão 9101-005.894). Com a mudança de colegiado, o tema passou a ter resultado desfavorável aos contribuintes em julho de 2022 (acórdão 9101-006.164). Esse entendimento foi mantido nas demais sessões do ano.

O colegiado também reconheceu a possibilidade de dedução de valores pagos a dirigentes e administradores a título de PLR (acórdão 9101-006.372) da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Em matéria de preço de transferência, a turma decidiu pela possibilidade de apresentação, no curso da fiscalização, de novo cálculo para fins de obtenção do preço parâmetro (acórdão 9101-006.312) e pela aplicação da cláusula FOB (frete por conta do destinatário – free on board, na sigla em inglês) para o cálculo do preço praticado (acórdão 9101005.979).

Com relação ao tema de lucros auferidos no exterior, a jurisprudência permaneceu estável ao longo do ano: a 1ª Turma afastou a tributação de lucros de controladas e coligadas estrangeiras pelo regime da MP 2.158-35/01 por aplicação da cláusula 7 dos Tratados (acórdão 9101-006.247).

A exigência concomitante de multa isolada sobre as estimativas de IRPJ e de multa de ofício de 75% sobre o valor não recolhido ao fim do ano-calendário foi objeto de muito debate: em precedentes de 2021, o órgão vinha decidindo pelo afastamento de uma das penalidades (acórdão 9101-005.986).

Na sessão de julho de 2022, em decisão por maioria, a turma confirmou a possibilidade de aplicação concomitante das penalidades (acórdão 9101-006.172). Já na sessão de setembro, os conselheiros retomaram o entendimento pela impossibilidade de concomitância, ao aplicar o art. 19-E da Lei 10.522/02 (acórdão 9101-006.284).

Em 2023, a expectativa é de renovação dos debates devido à mudança na composição do colegiado: ao menos nove conselheiros das turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais devem deixar o órgão com o fim dos mandatos. O início do ano já contou com nova indicação à presidência do órgão, o auditor fiscal Carlos Higino Ribeiro Alencar.

Independentemente das alterações de composição, o que se espera é a continuidade na formação de uma jurisprudência justa e aberta, com garantia do contraditório e da ampla defesa. Muito mais do que uma simples revisão do ato administrativo de lançamento, o Carf e, em especial, as turmas que compõem a Câmara Superior de Recursos Fiscais exercem a nobre e essencial função de consolidar a interpretação da Administração Federal sobre a legislação tributária. Em um país com um emaranhado de normas tão complexo, isso nunca será uma função pequena.