O vice-presidente Geraldo Alckmin, no exercício do cargo de presidente da República, sancionou a Lei 14.689, de 20 de setembro de 2023, que retomou o voto de qualidade nos julgamentos realizados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), entre outras disposições na legislação tributária.

As alterações promovidas pela lei, que estão vigentes a partir da data de sua publicação, têm impacto relevante e imediato no contencioso administrativo e judicial tributário nacional.

A lei sancionada deriva do PL 2.384/23, conhecido como “PL do Carf”, que teve trechos importantes vetados pela Presidência. Nos termos do art. 66 da CF/88, o trecho vetado do texto será reavaliado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados. Com maioria absoluta, eles podem decidir sobre a validade do veto presidencial e até mesmo revertê-lo.

A seguir, abordaremos os dispositivos da lei que já estão vigentes, bem como aqueles que ainda serão objeto de análise pelo Legislativo.

Dispositivos aprovados

Destacam-se entre os dispositivos aprovados, que já têm aplicação imediata:

  • A retomada do voto de qualidade no Carf, isto é, o critério de desempate nos julgamentos realizados no órgão volta a ser do presidente da turma julgadora, nos termos do art. 25 do Decreto 70.235/72. Desde a edição da Lei 13.988/20, o critério de desempate no julgamento de processos referentes a crédito tributário era resolvido a favor do contribuinte, conforme art. 19-E da Lei 10.522/02. O art. 17 da Lei 14.689/23 revogou esse último dispositivo, reestabelecendo como critério de desempate a decisão do presidente da turma julgadora, sempre um representante da Fazenda Nacional.
  • A exclusão de multas e de eventual representação fiscal para fins penais em processos cujo resultado seja favorável à Fazenda Pública por voto de qualidade. Esse é um dos pontos positivos da legislação, acarretando uma redução imediata do crédito tributário pela exclusão das penalidades.
  • Durante a tramitação no Senado, foi proposta uma emenda para que o dispositivo que trata da exoneração da penalidade restringisse às penalidades acessórias, ou seja, mantendo eventuais multas isoladas. Essa emenda foi retirada e o texto sancionado não fez qualquer restrição quanto à natureza das penalidades que serão excluídas: multas isoladas também deverão ser excluídas.
  • Caso o contribuinte opte, no prazo de 90 dias, pelo pagamento do crédito tributário mantido por voto de qualidade, poderá efetuar o pagamento só do principal – os juros serão excluídos – em até 12 parcelas, mediante a utilização de crédito decorrente de prejuízo fiscal de IRPJ e base de negativa de CSLL própria ou de empresa controlada ou controladora, e até com precatórios.
  • Essa medida visa reduzir a litigiosidade, estimulando o pagamento do crédito tributário após o encerramento da fase administrativa. A medida também é aplicável aos casos decididos por voto de qualidade durante a vigência da MP 1.160/23 (janeiro a maio deste ano), mas um ponto precisará de regulamentação: o termo inicial para os casos julgados durante a vigência da MP 1.160/23. Como os créditos desse período estão nos mais diversos momentos processuais, norma posterior precisará estabelecer qual o termo inicial do prazo de 90 dias.
  • A dispensa de apresentação de garantia para a discussão judicial dos créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública por voto de qualidade, desde que o contribuinte comprove a capacidade de pagamento do crédito tributário nos termos definidos na lei.
  • Nos casos em que seja exigível a apresentação de garantia para a discussão judicial dos créditos na mesma situação, não será admitida a execução da garantia até o trânsito em julgado da ação judicial, ressalvados os casos de alienação antecipada previstos na legislação. A impossibilidade de liquidação antecipada da garantia ficou restrita a essa hipótese, embora o texto original proposto fosse mais abrangente.
  • A limitação da multa qualificada em 100% do crédito tributário, e no percentual de 150% apenas em caso de reincidência, desde que seja configurada, individualizada e comprovada a conduta dolosa do sujeito passivo.
  • A possibilidade de transação específica para créditos tributários inscritos em dívida ativa em discussão judicial decorrentes de processos decididos por voto de qualidade.

As disposições aprovadas já estão em vigor e são aplicáveis a todos os julgamentos ocorridos no Carf a partir da sanção da lei, tanto em turmas ordinárias quanto nas turmas da Câmara Superior.

No entanto, alguns dispositivos da lei ainda poderão ser regulamentados futuramente ou debatidos nas esferas administrativa e judicial. Isso ocorre porque a lei utiliza alguns conceitos abstratos, deixando lacunas para os intérpretes e aplicadores do direito e dificultando sua aplicação imediata.

É o caso do art. 4º da lei, que prevê a dispensa de apresentação de garantia judicial ao contribuinte com “capacidade de pagamento”, mas sem especificar objetivamente os requisitos para tal capacidade. Em verdade, a lei discorre sobre os documentos que devem ser apresentados pelo contribuinte, mas deixa em aberto – pendente de regulamentação pelo PGFN – os limites para a caracterização da capacidade.

A previsão sobre a possibilidade de realização de transação específica para os créditos tributários decididos por voto de qualidade também dispensou maiores considerações. Mais uma vez, o legislador não discorreu sobre os critérios específicos de adesão ao regime e quais os benefícios que seriam concedidos.

Dispositivos vetados que retornarão para análise do Congresso Nacional

Juntamente com a publicação da lei, o presidente da República apresentou as razões de veto (mensagem nº 487, 20 de setembro de 2023), ressaltando o parecer do Ministério da Fazenda sobre os dispositivos vetados. A seguir, comentamos os principais vetos:

  • Com relação às multas:

Dispositivos previam, a depender do histórico de conformidade do contribuinte, a redução da multa de ofício para 1/3 ou até mesmo a sua redução integral – inclusive multas isoladas. O projeto também continha disposição que limitava a imposição de multas em até 100% do valor do crédito tributário apurado, bem como a extinção do agravamento da multa em casos de não apresentação de documentos e arquivos à autoridade fiscal pelos contribuintes.

  • Com relação à execução fiscal:

Dispositivos do projeto possibilitavam aos contribuintes regras especiais no oferecimento de garantias para o ajuizamento de execução fiscal. Entre as disposições, a alteração da Lei 6.830/80 para prever que as garantias apresentadas na forma de fiança bancária ou seguro-garantia não poderiam ser executadas antes do trânsito em julgado, a possibilidade de oferecimento de garantia apenas sobre o valor do principal e a obrigatoriedade de ressarcimento pela União Federal das despesas e custos incorridos ao longo do processo, em caso de decisão final favorável ao contribuinte.

Em linhas gerais, o presidente justifica os vetos em dispositivos do texto na ausência de interesse público das proposições, seja em razão de insegurança jurídica decorrente da necessidade de posterior regulamentação de algumas previsões, seja porque eles ensejariam alteração de sistemática legal já consolidada – como é o caso, por exemplo, das alterações propostas na Lei de Execução Fiscal.  

Os dispositivos vetados pelo presidente da República retornarão para análise do Congresso Nacional em sessão conjunta de deputados e senadores, em um prazo de até 30 dias contados do recebimento, nos termos do art. 66, §4º, da Constituição Federal.

Com a sanção da lei, a expectativa é que as sessões do Carf sejam retomadas na modalidade presencial e os processos de teses relevantes voltem a ser julgados, conferindo aos contribuintes um contencioso administrativo técnico e justo, como deve ser.