Pode uma instrução normativa alterar a metodologia de cálculo prevista em lei para apuração do preço de transferência nas operações de importação e exportação de bens, serviços ou direitos? O contribuinte deve apurar o preço de transferência nos termos do artigo 18, II, da Lei 9.430/96 ou aplicar os critérios do artigo 12, §§ 10 e 11, da Instrução Normativa SRF 243/02 para determinar a base de cálculo da CSLL e do IRPJ?

Essas são perguntas que os grupos multinacionais com filiais ou companhias vinculadas no Brasil têm feito, já que a adoção da metodologia prevista no ato normativo majora a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, além de reduzir os saldos de prejuízo fiscal e base negativa.

A resposta à controvérsia pode estar prestes a ser dada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tem recebido recursos para apreciar a matéria.

O regime de preços de transferência foi estabelecido no Brasil com a edição da Lei 9.430/96, posteriormente alterada pela Lei 9.959/00. O artigo 18,[1] já com a nova redação, contemplou métodos para cálculo do preço parâmetro nas importações:

  • Método dos Preços Independentes Comparados (PIC);
  • Método do Custo de Produção mais Lucro de 20% (CPL);
  • Método do Preço de Revenda Menos Lucro (PRL) com a margem de 20% (PRL 20); e
  • Método do Preço de Revenda Menos Lucro (PRL) com a margem de 60% (PRL 60).

Com relação ao PRL 60, foi editada a Instrução Normativa 113/00, posteriormente substituída pela Instrução Normativa 32/01, para regulamentar a metodologia de cálculo. Em seu artigo 12,[2] a instrução manteve a sistemática prevista na Lei 9.430/96.

Em 11/11/2002, a Receita Federal editou a Instrução Normativa 243/02, revogando a Instrução Normativa 32/01 e alterando significativamente o cálculo para apuração do preço parâmetro de acordo com o método PRL 60.

A diferença entre a forma de apuração do PRL 60 prevista na Lei 9.430/96 e na (ilegal) Instrução Normativa 243/02 diz respeito, principalmente, à maneira de apurar a margem de lucro a ser deduzida do preço líquido de (re)venda, que fixará o conceito do preço parâmetro a ser comparado com os preços praticados nas operações dos contribuintes para efeito de aplicação ou não de ajustes com efeitos tributários.

Quanto à margem de lucro a ser descontada do preço de revenda, a Lei 9.430/96 prevê que ela será obtida pela aplicação do percentual de 60% sobre o valor do preço líquido de venda do produto, diminuído do valor agregado do país. A Instrução Normativa 243/02, por sua vez, determina que a margem de 60% deve incidir sobre “a participação do bem, serviço ou direito importado no preço de venda do bem produzido”.

Em resumo, enquanto a Lei 9.430/96 determina que o percentual de 60% deva ser aplicado sobre o valor final do preço de revenda, o que incorpora o valor agregado do produto, a Instrução Normativa 243/02 impôs o critério de proporcionalização pela ponderação da média e pela definição de que o percentual de 60% deve incidir sobre a participação do bem serviço ou direito no preço de revenda. A diferença entre os cálculos do preço parâmetro é, portanto, abissal.

A matéria foi resolvida pela Lei 12.715/12, que incorporou em seu texto o conteúdo da Instrução Normativa 243/02, quanto ao método de cálculo, ao mesmo tempo que reduziu a margem de lucro de 60% para patamares de 20% (regra geral) a 40% (exceções).

Com isso, evidenciou que o critério de cálculo anterior era baseado exclusivamente no ato normativo, além de reconhecer o fundamento dos contribuintes, ao demonstrar que a margem de 60% é incompatível com o critério de proporcionalização da Instrução Normativa 234/02, que transforma, na prática, a margem de lucro de 60% em um percentual de 150% sobre o custo, ao desconsiderar o valor agregado no país.

Uma vez incorporado na lei o critério de proporcionalização da Instrução Normativa 243/02, as margens foram reduzidas. De qualquer forma, a disputa tem prazo de validade por estar limitada a 2012, ano da entrada em vigor da Lei 12.715/12.

A divergência entre as disposições da Instrução Normativa 243/02 e da Lei 9.430/96 suscita a discussão sobre qual é o limite de regulamentação do ato normativo e se é possível criar conteúdo novo para esclarecer os termos da lei.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região tem se debruçado sobre o tema. A 3ª e a 6ª turmas têm se manifestado, de forma majoritária, no sentido da legalidade da instrução normativa por (supostamente) estabelecer regras para esclarecer o conteúdo normativo. Já a 4ª Turma entende que o ato normativo é ilegal por ter extrapolado os seus limites ao modificar a sistemática legal para a apuração do preço parâmetro, com consequentes implicações no cálculo do IRPJ e da CSLL.

O STJ, no dia 24 de maio de 2022, retomou o julgamento do Agravo em Recurso Especial 511.736 em que se discute:

  • a (i)legalidade da Instrução Normativa 243/02, que previu fórmula de cálculo para fixação de preços de transferência, para efeitos de identificação de base de cálculo do IRPJ e da CSLL, diante das disposições do art. 18, II, da Lei 9.430/96; e
  • se a alteração da metodologia, promovida pela Instrução Normativa 243/02, em substituição à Instrução Normativa 32/01, somente poderia produzir seus efeitos para os fatos geradores ocorridos a partir do início do exercício de 2003, em atenção ao art. 104 do Código Tributário Nacional.

O ministro Benedito Gonçalves, único votante até o momento, entendeu que o ato normativo encontra guarida na Lei 9.430/96, na medida em que o método do preço de revenda menos lucro deve ter como base o preço pelo qual o bem importado é revendido, e não o preço de venda do bem produzido.

Embora o julgamento tenha sido suspenso por novo pedido de vista, é a primeira vez que o STJ ultrapassou óbices sumulares para se debruçar sobre o mérito da controvérsia. Apesar de o recurso não ter sido submetido à sistemática dos repetitivos, esse precedente será de suma importância para nortear as futuras decisões dos tribunais regionais federais sobre a correta aplicação do método de cálculo e os seus efeitos na base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

 


[1] “Art. 18. Os custos, despesas e encargos relativos a bens, serviços e direitos, constantes dos documentos de importação ou de aquisição, nas operações efetuadas com pessoa vinculada, somente serão dedutíveis na determinação do lucro real até o valor que não exceda ao preço determinado por um dos seguintes métodos:

I - Método dos Preços Independentes Comparados - PIC: definido como a média aritmética dos preços de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, apurados no mercado brasileiro ou de outros países, em operações de compra e venda, em condições de pagamento semelhantes; 

II - Método do Preço de Revenda menos Lucro - PRL: definido como a média aritmética dos preços de revenda dos bens ou direitos, diminuídos: 

a) dos descontos incondicionais concedidos

b) dos impostos e contribuições incidentes sobre as vendas; 

c) das comissões e corretagens pagas; 

d) da margem de lucro de:   

1. sessenta por cento, calculada sobre o preço de revenda após deduzidos os valores referidos nas alíneas anteriores e do valor agregado no País, na hipótese de bens importados aplicados à produção; (Redação dada pela Lei nº 9.959, de 2000) 

2. vinte por cento, calculada sobre o preço de revenda, nas demais hipóteses. (Redação dada pela Lei nº 9.959, de 2000) 

III - Método do Custo de Produção mais Lucro - CPL: definido como o custo médio de produção de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, no país onde tiverem sido originariamente produzidos, acrescido dos impostos e taxas cobrados pelo referido país na exportação e de margem de lucro de vinte por cento, calculada sobre o custo apurado. 

  • 1º As médias aritméticas dos preços de que tratam os incisos I e II e o custo médio de produção de que trata o inciso III serão calculados considerando os preços praticados e os custos incorridos durante todo o período de apuração da base de cálculo do imposto de renda a que se referirem os custos, despesas ou encargos.”  

[2] “Art. 12. A determinação do custo de bens, serviços ou direitos, adquiridos no exterior, dedutível da determinação do lucro real, poderá, também, ser efetuada pelo método do Preço de Revenda menos Lucro (PRL), definido como a média aritmética dos preços de revenda dos bens ou direitos, diminuídos:

I - dos descontos incondicionais concedidos;

II - dos impostos e contribuições incidentes sobre as vendas;

III - das comissões e corretagens pagas;

IV - de margem de lucro de:

a) vinte por cento, na hipótese de revenda de bens;

b) sessenta por cento, na hipótese de bens importados aplicados na produção.

(...)

  • 10. O método de que trata a alínea "b" do inciso IV do caput será utilizado na hipótese de bens aplicados à produção.
  • 11. Na hipótese do parágrafo anterior, o preço a ser utilizado como parâmetro de comparação será a diferença entre o preço líquido de venda e a margem de lucro de sessenta por cento, considerando-se, para este fim:

I - preço líquido de venda, a média aritmética dos preços de venda do bem produzido, diminuídos dos descontos incondicionais concedidos, dos impostos e contribuições sobre as vendas e das comissões e corretagens pagas;

II - margem de lucro, o resultado da aplicação do percentual de sessenta por cento sobre a média aritmética dos preços de venda do bem produzido, diminuídos dos descontos incondicionais concedidos, dos impostos e contribuições sobre as vendas, das comissões e corretagens pagas e do valor agregado ao bem produzido no País.”