Um crescente número de brasileiros tem optado por viver no exterior nos últimos anos. Os motivos que levam a essa escolha são os mais diversos: se em décadas anteriores eles estavam ligados à empregabilidade e formação de patrimônio, hoje estão mais relacionados à qualidade de vida, estabilidade econômica e segurança.

O Itamaraty estima que existem atualmente 3 milhões de brasileiros morando fora do Brasil, seja a trabalho ou estudando. O número já parece expressivo mesmo levando em consideração apenas os cidadãos em situação regular em suas novas jurisdições. E a tendência é de crescimento, uma vez que 62% da população jovem do Brasil indica que quer morar fora do país em algum momento de sua vida, segundo pesquisa do Datafolha.

Os dados fornecidos pela Receita Federal do Brasil (RFB) confirmam esse fenômeno. As declarações de saída definitiva do Brasil mais que dobraram entre 2011 e 2018: elas passaram de menos de 10 mil para 22.400, um aumento de 165%, segundo a RFB.

Atualmente, os países mais procurados pelos brasileiros são Estados Unidos da América, Portugal, Canadá e Japão. Ou seja, a questão cultural é determinante na escolha do novo país de residência.

A fim de evitar possíveis discussões com as autoridades fiscais brasileiras em caso de mudança de país, é preciso observar alguns procedimentos.

Residência fiscal, bitributação e declaração de saída

O primeiro ponto que se deve ter em mente é que cidadania difere de residência fiscal, que, por sua vez, é diferente de residência física.

A residência física é aquela na qual o indivíduo efetivamente vive, reside. A cidadania, em geral, está ligada à nacionalidade da pessoa física, que pode ser dada em função do local de nascimento ou pelos laços sanguíneos. As regras de residência fiscal, por sua vez, são dadas pela legislação doméstica de cada país. A independência desses conceitos faz com que vários cenários sejam possíveis, entre os quais: (i) cidadão de um país e residente fiscal em outro; (ii) residente fisicamente num país e residente fiscal em outro; (iii) residente fiscal em mais de um país e fisicamente em um outro; ou ainda (iv) residente fisicamente em um país e sem residência fiscal definida – apátrida fiscal.

Assim, não se pode desconsiderar o risco de bitributação em caso de mudança de país. Para evitá-lo, é fundamental apresentar a declaração de saída definitiva para a RFB. Esse documento encerra a residência fiscal no Brasil, não gerando impactos sobre a cidadania do indivíduo. No Brasil, a formalização da saída ocorre em duas etapas. A primeira é a apresentação da comunicação de saída definitiva, que deve ser enviada até fevereiro do ano subsequente à saída do Brasil. Até abril do ano subsequente, deve ser formalizada a declaração de saída perante a RFB.

Caso a declaração de saída não seja apresentada, a pessoa física permanece residente fiscal do Brasil nos primeiros 12 meses consecutivos à data em que deixou o Brasil. A ausência de apresentação desses documentos ainda gera cobrança de multa. Existindo imposto devido, incide a multa de 1% ao mês ou fração de atraso calculada sobre o valor do imposto devido, observados o valor mínimo de R$ 165,74 e o máximo de 20% do imposto devido. Não existindo imposto devido, aplica-se a multa mínima de R$ 165,74.

É preciso ter em conta também a existência ou não de Tratado para Evitar a Bitributação entre o Brasil e o novo país de residência. As regras de residência fiscal e os critérios de desempate[1] em caso de possível dupla residência (o tratado não permite que uma pessoa seja residente nos dois Estados) são regulados por estes tratados e, havendo tal protocolo entre os dois países, essa regra sobrepõe-se à legislação local. Considerando os países mais procurados pelos brasileiros, o Brasil tem tratado firmado com Canadá, Japão e Portugal.

Investimentos no Brasil – possível alteração da tributação

Além da formalização da saída do Brasil à RFB, as fontes pagadoras de rendimentos e as instituições financeiras responsáveis por contas correntes e investimentos devem ser igualmente notificadas.

Isso porque, para os ativos que permanecerão no Brasil, a forma de tributação dos rendimentos e ganhos pode ser alterada em virtude da alteração da condição de residente fiscal para não residente. Em linhas gerais, a tributação do não residente é equiparada à do residente pessoa física.[2] Contudo, podem ser aplicadas regras específicas, às vezes até mais benéficas. É o que ocorre, por exemplo, com os investidores que, ao se tornarem não residentes, passam a deter investimentos nos mercados financeiro e de capitais brasileiros por meio da Resolução CMN nº 4.373/14. Os chamados “Investidores 4.373” têm direito a alíquota zero do imposto de renda (IR) sobre o ganho de capital auferido em operações em bolsa de valores e de alíquotas de IR reduzidas para as demais operações. Esses benefícios fiscais somente estão disponíveis para os não residentes que não estejam domiciliados em jurisdições consideradas pelo Brasil como de tributação favorecida.[3]

As pessoas físicas que deixam o Brasil também devem levar em consideração que há possibilidade de as autoridades fiscais exigirem a tributação por IR na migração da natureza dos investimentos, de residente para não residente. Essa posição foi exarada pela RFB no Ato Declaratório Interpretativo n° 1/16, segundo o qual, no caso de pessoa física residente no Brasil que adquire a condição de não residente, para fins de aplicação do regime especial de tributação, o responsável tributário deverá exigir do indivíduo (i) a comprovação de que apresentou a comunicação de saída definitiva à RFB e (ii) a retenção e o recolhimento do IR incidente sobre os rendimentos auferidos até o dia anterior ao da aquisição da condição de não residente.

Muito embora, a nosso ver, seja possível discutir a legalidade e até a constitucionalidade desse ato declaratório, não se pode afastar o risco decorrente dessa interpretação por parte da RFB.

Necessidade de análise prévia da legislação do país de destino

Em adição aos aspectos brasileiros da mudança de país, é sempre importante consultar um assessor especialista na jurisdição de destino.

Nesse sentido, o ponto de partida antes da mudança deve ser o mapeamento dos ativos do indivíduo para avaliar as alterações necessárias na estrutura de investimentos e gestão de ativos. Após esse mapeamento, discute-se esse estudo com o assessor jurídico da jurisdição de destino.

Algumas jurisdições demandam reorganizações prévias para que a pessoa física possa passar a usufruir de um regime fiscal mais benéfico. É o caso de Portugal e de seu regime do residente fiscal não habitual (RNH). Os rendimentos oriundos de paraísos fiscais são tributados em Portugal à alíquota de 35%, não sendo passíveis de inclusão na regra de isenção prevista pelo regime RNH.

Na hipótese de reestruturação prévia, a depender da alternativa escolhida, pode ser disparada a tributação de rendimentos ou ganhos no Brasil, ainda que não haja disponibilidade econômica de dinheiro imediatamente.

Procedimentos internacionais de troca de informações e seus potenciais impactos

A busca de transparência fiscal e bancária internacional já é uma realidade. Os acordos de troca de informações são incentivados pelas nações como forma de combater a sonegação de impostos, lavagem de dinheiro, fraudes e evasão fiscal.

No Brasil, o Decreto n° 8.842/16 promulgou o texto da Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária. Desde então, já ocorreu a primeira troca automática dessas informações em um acordo que envolve cem países, firmado no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Brasil recebeu informações financeiras realizadas em 2017 de brasileiros que moram em 85 países, entre os quais citamos Argentina, Andorra, Bahamas, Ilhas Cayman, Portugal, Japão e Uruguai. Em contrapartida, forneceu a 54 países informações de estrangeiros que aqui vivem. É preciso estar atento a essas alterações e à atual facilidade de obtenção de informações que anteriormente estariam abarcadas por regras de sigilo bancário e fiscal.

Diante do interesse em viver no exterior, é fundamental, portanto, planejar a mudança com cautela, analisando os impactos nacionais e internacionais e cumprindo os requisitos das respectivas legislações.


[1] Os critérios para desempate são, nesta ordem: (i) habitação permanente, (ii) centro de interesses vitais, (iii) presença habitual, (iv) nacionalidade e (v) decisão de comum acordo entre Estados.

[2] Art. 18 da Lei nº 9.249/95.

[3] A lista das jurisdições consideradas como de tributação favorecida consta do art. 1º da Instrução Normativa nº 1.037/2010.