A pena de perdimento de bens é uma das penalidades mais severas e extremas contidas na legislação brasileira. Apesar de seu caráter expropriatório, o Supremo Tribunal Federal (STF) abstratamente já reconheceu sua validade e conformidade com a Constituição Federal vigente (RE 251.008-AgR/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, Primeira Turma, DJ 16.6.2006).

Contudo, por se tratar de penalidade extrema, sua aplicação deve ser precedida de rigoroso exame das circunstâncias fáticas e de seu enquadramento nas restritas hipóteses que a legitimam, sob pena de contrariar o princípio da legalidade.

No taxativo rol das hipóteses de cabimento da pena de perdimento, o artigo 689 do Regulamento Aduaneiro contempla o desvio injustificado de rota durante o trânsito aduaneiro do bem importado:

Art. 689. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao erário (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 105; e Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 23, caput e § 1º, este com a redação dada pela Lei no 10.637, de 2002, art. 59):

(...)

XVII – estrangeira, em trânsito no território aduaneiro, quando o veículo terrestre que a conduzir for desviado de sua rota legal, sem motivo justificado;

Foi com base nesse dispositivo que as autoridades aduaneiras aplicaram a pena de perdimento a um determinado contribuinte, por presumirem que se pretendia descaminhar o bem importado, após constatado o desvio de rota durante o trânsito aduaneiro.

De acordo com o artigo 334 do Código Penal, no entanto, o descaminho só se configura quando está presente o ato de “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”.

Ou seja, para a configuração do descaminho, o Código Penal impõe textualmente que esteja presente o intuito de iludir o pagamento de tributo. Logo, a aplicação da pena de perdimento com base na alegação de descaminho necessariamente demandará que a autoridade aduaneira evidencie o ato de iludir o pagamento de tributo.

Em caso recente sob nossa condução, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) levou a julgamento processo em que se discutia justamente auto de infração lavrado pelas autoridades aduaneiras sob o argumento de que determinado contribuinte pretenderia descaminhar bem importado, por força do desvio de rota constatado durante o trânsito aduaneiro do bem.

Deixando de lado a discussão dos motivos que levaram ao desvio de rota, fato é que o TRF-2 decidiu afastar o perdimento porque a autoridade aduaneira não conseguiu comprovar a intenção do contribuinte de iludir o pagamento de tributo devido.

Para ratificar o entendimento do TRF-2, o voto-condutor prolatado destacou que a presunção utilizada pelas autoridades aduaneiras não resistia ao conjunto probatório produzido pelo contribuinte, que, inclusive, foi capaz de explicar o justo motivo para o desvio de rota constatado.

No caso examinado, o bem objeto do perdimento havia sido regularmente importado sob regime aduaneiro especial, com a assinatura de termo de responsabilidade e a apresentação de garantia dos tributos suspensos.

Em reforço à sua decisão, o TRF-2 observou ainda que, embora o percurso estipulado não tenha sido observado, há penalidade mais específica para punir o desvio de rota durante o trânsito aduaneiro. Dessa forma, o tribunal reafirmou o entendimento de que não se pode presumir indistintamente dano ao erário apenas com o fim de aplicar ou manter penalidade tão extrema.