A pauta do momento, sem dúvida, é a reforma tributária. Apesar do amplo debate sobre o tema nos últimos anos, as discussões mais recentes no Congresso Nacional deixam claro que a proposta, além carecer de definições sobre como serão implementados diversos aspectos do novo sistema, não está sendo vista com um olhar estratégico por seus debatedores em relação a problemas que podem inviabilizar a evolução das startups no país.

O histórico de propostas de reforma tributária é grande e são muitas as proposições, mas, para o ponto que queremos analisar, destacam-se as propostas de emenda constitucional 45 e 110 (PEC 45 e PEC 110).

Esses dois textos propõem a criação de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), semelhante ao adotado na Europa, Índia e Oceania. Na tentativa de quebrar paradigmas, sugere-se adotar uma base de incidência ampla, que considera operações com bens e serviços (assim como os direitos relacionados a eles).

Apesar das semelhanças entre as duas propostas, elas divergem em um aspecto fundamental. Enquanto a PEC 45 prevê a criação de apenas um IVA em substituição ao ISS, ICMS, PIS e Cofins (ou seja, os tributos que hoje incidem sobre o consumo, serviços ou produtos), a PEC 110 prevê que será criado um IVA federal e um IVA estadual/municipal (ou seja, um IVA dual), com as mesmas bases de cálculo.

Ambas as propostas preveem que o IPI (imposto federal) será extinto. Em contrapartida, será criado um imposto seletivo, que incidirá sobre bens e serviços que possam ter impactos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, por exemplo.

Diante da necessidade de avançar no tema, foi criado um grupo de trabalho (GT) na Câmara dos Deputados com o objetivo de combinar as duas propostas e sanar problemas identificados nos debates, para assim definir o texto (substitutivo) que será enviado ao plenário. No início de junho, o GT apresentou um relatório com algumas diretrizes.

Até o momento, sabe-se que o substitutivo contemplará uma espécie de IVA dual. Serão adotadas alíquotas-padrão e diferenciadas para determinados setores e será garantido direito amplo ao crédito – ou seja, o imposto pago em uma etapa será utilizado para abater o imposto devido na etapa seguinte.

Entre esses aspectos, o que mais preocupa é a alíquota. As propostas preveem que o imposto será cobrado a partir de uma alíquota-padrão – independentemente do setor –, que corresponderá à soma de percentuais definidos pelos entes. Esse percentual, no entanto, permanece uma incógnita, especula-se que será adotada uma alíquota em torno de 25%. Esse é o grande obstáculo que deve ser enfrentado pelas startups.

Como se sabe, a maioria das startups são prestadoras de serviços, seguindo a tendência mundial de “servitização” da economia.

Atualmente, os serviços no Brasil são tributados por uma alíquota que varia de 2% a 5%, de acordo com o município. Adiciona-se a isso o PIS e a Cofins, que também incidem sobre as operações de serviço, a taxas de 3,65% no regime cumulativo e 9,25% no regime não cumulativo. Dependendo do ramo de atividade, as startups também podem estar no regime do Simples Nacional, que tem alíquotas em patamares similares aos mencionados acima.

A definição de uma alíquota maior do que a alíquota agregada dos tributos atualmente incidentes, significa, portanto, claro aumento de carga tributária.

Seria possível argumentar que a reforma tributária preserva o sistema do Simples Nacional, que garante uma tributação mais condizente com empresas de pequeno porte e ao qual algumas startups se sujeitam.

Talvez, por esse motivo, não se viu uma grande movimentação desse segmento de empresas em torno da reforma. Essa é uma postura preocupante, pois desconsidera o próprio crescimento no curto prazo – um fato que limitaria a perpetuação da empresa do Simples Nacional.

Fica claro que o rápido crescimento, uma característica (e objetivo!) das startups, levará essas empresas a arcar com uma carga tributária maior, bem superior àquela aplicada hoje, quando saem do Simples Nacional. Isso poderá, inclusive, influenciar planejamentos tributários para manter as empresas no regime tributário mais benéfico –uma iniciativa bem questionável.

Os defensores da reforma dizem que não há majoração, porque haverá amplo direito de crédito. Entretanto, esse mecanismo não tem muita repercussão para o setor de serviços por três motivos: 

  • a prestação de serviços não está condicionada à grande aquisição de bens ou serviços que poderiam acumular créditos nessa cadeia;
  • a maior despesa do setor de serviços é a mão de obra, que não gera crédito – inclusive, essa impossibilidade de crédito irá induzir cada vez mais a “pejotização” dessas cadeias; e
  • o aumento de carga tributária não poderá ser neutralizado pela não cumulatividade porque, em grande parte, os serviços são prestados diretamente ao consumidor final.

Os congressistas estão cientes disso, mas entendem que, de modo geral, quem consome serviços são os mais ricos. Porém, ainda que essa premissa seja verdade, a realidade vem mudando. As startups atuam em duas grandes frentes que, de forma indireta ou direta, promovem o consumo de serviços por um amplo espectro da população.

De forma indireta, as startups desenvolvem soluções tecnológicas e disruptivas para atender aos setores produtivos, permitindo o barateamento dos produtos finais. De forma direta – e notável –, ajudam a descentralizar o acesso a bens e serviços, favorecendo as mais variadas camadas da população.

Um grande aumento de carga tributária, porém, certamente reduzirá o potencial de escalabilidade dessas soluções, não pela sua natureza em si, mas pela perda de competitividade diante da incapacidade do mercado de absorver o aumento de preços.

A simplificação tributária, com adoção de alíquotas-padrão, não pode ser pretexto para penalizar o setor de serviços, em especial as startups, dada a sua importância econômica.

Em relação a essa questão, setores da economia conseguiram sensibilizar os congressistas. Ao compreender a importância e o efetivo impacto dessa majoração, os parlamentares incluíram no relatório do GT a possibilidade de estabelecer alíquotas diferenciadas para determinados setores, como saúde, educação e produção rural.

Ainda que não seja possível ampliar esse mecanismo para todos os setores, é necessário buscar outros instrumentos que reduzam esse custo final. Uma das alternativas sugeridas pelo setor de tecnologia, por meio da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assepro), é a adoção de um mecanismo para desonerar a folha de pagamento. É uma ideia interessante, pois evita a “pejotização” da cadeia ou a inclusão dos funcionários no quadro societário como forma de planejamento tributário.

Outro ponto são os benefícios fiscais, mas que, pelas propostas em tramitação, em princípio, deverão ser vedados.

Portanto, seja por meio de alíquotas diferenciadas, desoneração da folha de pagamento ou qualquer outro mecanismo – como os benefícios fiscais –, certamente ainda é necessário aprofundar o debate em torno das propostas sobre os mecanismos fiscais que deverão ser implementados. A discussão é fundamental para guiar as políticas fiscais de fomento ao investimento em startups, qualquer que seja o setor no qual elas atuem.