O mercado de gás natural ganha cada vez mais relevância no Brasil como forma de diversificar as fontes de energia no país. Para fomentar o desenvolvimento do setor, alterações na legislação e na regulação vêm sendo discutidas especialmente desde 2016, quando o Ministério de Minas e Energia lançou a iniciativa Gás para Crescer, com a participação de todo o mercado de gás natural e alguns órgãos do governo.

O desenvolvimento do mercado depende, contudo, do sucesso das chamadas públicas de compra e venda de gás natural, que permitirão integrar novos agentes e diversificar um setor altamente monopolizado. Entraves tributários, principalmente relacionados ao ICMS, e outros obstáculos dificultam, no entanto, o avanço das chamadas públicas e o desenvolvimento do setor.

O ICMS é um imposto cuja competência foi atribuída aos estados e ao Distrito Federal, cabendo à lei complementar a definição dos aspectos estruturais do tributo. A análise das legislações estaduais com respeito ao gás natural aponta para a complexidade, a desuniformidade e a incerteza como elementos característicos.

Entre os pontos de desuniformidade que representam entraves tributários, destacam-se: a diversidade de alíquotas aplicáveis ao gás natural; a diferença de tratamento em razão de regimes especiais de tributação; e a diferença no tratamento dos créditos relativos à não cumulatividade.

Quanto à diversidade de alíquotas de ICMS, há uma grande disparidade entre os estados relativamente às operações internas envolvendo o gás natural, as quais variam de 12% a 25%. Isso ocorre porque alguns estados internalizaram o Convênio ICMS nº 18/1996, que prevê a redução da base de cálculo do ICMS de modo que a carga tributária efetiva resulte em 12%. Entretanto, alguns estados não aderiram ao convênio, aplicando a alíquota interna geral (que varia de 17% a 18%) para operações com gás natural. Há ainda o estado do Amazonas, que adota uma alíquota de 25% para as operações com gás natural.

Além disso, merece atenção o fato de alguns estados estabelecerem adicionais de alíquotas às operações internas, que normalmente correspondem a 1% ou 2% da base de cálculo do ICMS.

Muitas legislações estaduais também não são claras quanto à aplicação de benefícios fiscais às importações de gás natural ou de gás natural liquefeito, gerando insegurança jurídica aos importadores.

Um ponto adicional de desuniformidade diz respeito à existência de diferentes regimes especiais de tributação ao gás natural. Alguns estados introduziram benefícios fiscais ou regimes diferenciados no fornecimento de gás natural para usinas termelétricas (UTEs) em relação a determinadas indústrias ou operações de importação, com o objetivo de neutralizar pontos de cumulatividade. É o caso, por exemplo, do diferimento nas saídas internas de gás natural para geração de energia elétrica, o que favorece o desenvolvimento de UTEs em alguns estados onde é aplicado, enquanto outros nada preveem para solucionar o problema.

Ainda com relação aos benefícios fiscais, alguns estados instituíram o recolhimento obrigatório de um percentual sobre a vantagem econômica auferida com o benefício fiscal ao Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal (FEEF), acentuando a discrepância de tratamento.

Outro aspecto relevante é a divergência no tratamento dos créditos de ICMS relativos à não cumulatividade. Faltam clareza e uniformidade nas legislações que definem o tratamento dos créditos em operações beneficiadas, por exemplo, com redução de base de cálculo ou outros regimes especiais. Há estados que permitem a manutenção dos créditos registrados, enquanto outros exigem o estorno desses créditos, onerando a cadeia de valor do gás natural e tornando-o menos competitivo em comparação a outras matrizes energéticas.

Por fim, a atribuição de responsabilidade por substituição tributária nas legislações estaduais é ingrediente que reforça a complexidade do sistema. A assimetria entre as diversas legislações estaduais gera, evidentemente, complexidade, incremento de custos de compliance e distorções na cadeia, além de muitas vezes agravar o próprio custo fiscal das operações. A uniformização é essencial para o bom desenvolvimento do mercado.

A viabilização segura de muitas das operações depende ainda de regulação sobre o cumprimento de obrigações acessórias, especialmente as relativas ao transporte por meio de gasodutos. São medidas simples que não devem alterar a arrecadação. Sua implementação ganha complexidade em razão do nosso sistema tributário, mas elas são essenciais para darmos esse passo à frente.