A Lei Complementar 210/23, publicada em 24 de julho, reinstituiu o Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais (FECP) no estado do Rio de Janeiro, revogando a Lei Estadual 4.056/22, que até então tratava do mesmo assunto.

Embora a redação das normas seja relativamente parecida e a maior parte das alterações se refira às destinações e formas de utilização dos recursos obtidos com o FECP, a nova legislação promoveu mudanças que podem resultar em aumento de carga tributária para alguns setores, bem como ter sua constitucionalidade questionada.

Entre as principais alterações decorrentes da nova lei complementar, destaca-se a ampliação do prazo para cobrança do FECP de forma indeterminada, enquanto a norma anterior estabelecia prazo-limite de 31 de dezembro de 2023.

Além disso, certas hipóteses de não incidência do FECP até então previstas na Lei Estadual 4.056/02 não foram reproduzidas pela LC 210/23, o que pode representar aumento de carga tributária. São elas:

  • Comércio varejista de caráter eventual ou provisório em épocas festivas;
  • Fornecimento de alimentação;
  • Padarias e confeitarias que realizem, exclusivamente, vendas diretamente a consumidor final;
  • Refino de sal para alimentação;
  • Serviço de transporte rodoviário intermunicipal de passageiro; e
  • Serviço aquaviário de passageiro, carga ou veículo.

A LC 210/23 estabeleceu também mais uma hipótese de imposição de adicional de alíquota para o fundo: as importações realizadas por remessas postais ou expressas, independentemente da classificação tributária do produto importado, conforme previsto no Convênio ICMS nº 81, de 22 de junho de 2023.[1]

Outra diferença relevante entre os diplomas normativos é a ausência de dispositivo na LC 210/23 correspondente ao art. 5° da Lei Estadual 4.056/02, o qual previa que os aumentos de alíquotas do ICMS em razão do FECP não seriam levados em conta no cálculo do montante de quaisquer tipos de benefícios fiscais concedidos por legislação anterior.

Tal dispositivo estabelecia que a carga tributária decorrente de eventuais incentivos fiscais (como reduções de base de cálculo) concedidos anteriormente à Lei do FECP permaneceria a mesma, de modo que a introdução do adicional de alíquota não representaria aumento de carga tributária.

A ausência de tal norma na LC 210/23 pode conduzir à interpretação de que tais operações incentivadas passarão a ter que considerar o adicional de alíquota ao FECP, o que resultaria em aumento de carga tributária para os contribuintes e redução do incentivo fiscal.

Outro aspecto relevante é que a LC 210/23 manteve a referência de imposição transitória de mais dois pontos percentuais incrementais ao FECP (ou seja, além dos dois pontos percentuais já previstos na legislação, resultando, portanto, em quatro pontos percentuais devidos a título de FECP), sobre operações com energia elétrica com consumo superior a 300 quilowatts/hora mensais e serviços de comunicação. Também houve extensão de seu prazo de 31 de dezembro de 2023 (redação anterior) para 31 de dezembro de 2031 (nova redação).

Entretanto, é importante destacar que a Lei Complementar Federal 194/22 determinou que combustíveis,[2] gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo não podem ser considerados supérfluos, por serem essenciais e indispensáveis.

Tal regramento nacional foi incorporado à legislação fluminense pelo Decreto 48.145/22. A partir de sua publicação, as alíquotas aplicáveis às operações e prestações ora previstas na Lei Complementar 194/22 foram reduzidas à alíquota modal de 18% ou mantidas as cargas até então vigentes, quando menores do que a alíquota modal.

A partir da edição do decreto acima, a própria Secretaria da Fazenda do Estado passou a se manifestar pela inaplicabilidade do FECP nas operações e prestações envolvendo as mercadorias e os serviços descritos na norma federal.

A reprodução do texto impositivo da aplicação das alíquotas de 2% incrementais (além dos demais 2% aplicáveis às operações e prestações em geral) após a edição do Decreto 48.145/22 pode ensejar interpretações restritivas pelas autoridades fiscais do estado, no sentido de considerarem que as disposições do decreto não mais produzem efeitos pela edição de norma superveniente e de maior hierarquia normativa (LC 210/23).

Entendemos que haveria sólidos fundamentos jurídicos para questionar a interpretação restritiva mencionada. Isso se deve ao fato de que a qualificação de determinados bens e serviços como essenciais decorre de lei complementar federal, e não exclusivamente de decreto estadual. Dessa forma, o FECP não poderia ser instituído sobre tais bens e serviços até que ao menos a Lei Complementar 194/22 fosse alterada.

No mais, e em linhas gerais, entendemos que há também sólidos fundamentos para sustentar que a produção de efeitos dos aumentos de alíquota decorrentes do FECP está sujeita aos princípios constitucionais aplicáveis ao ICMS. Entre eles, destaca-se o princípio da anterioridade anual e nonagesimal (art. 150, inciso III, alíneas ‘b’ e ‘c’ da Constituição Federal). Em razão disso, todo e qualquer aumento de carga tributária decorrente da LC 210/2023 poderia produzir efeitos, no mínimo, a partir de 1° de janeiro de 2024.

Por fim, a LC 210/23 altera a previsão da destinação dos recursos recolhidos ao FECP, bem como dispõe sobre as competências do Conselho Gestor do FECP, a serem detalhadas pelo Poder Executivo.

 


[1] O convênio autoriza que estados concedam redução da base de cálculo do ICMS em tais operações de importação, resultando em carga tributária equivalente a 17%, que inclui eventuais adicionais previstos em legislação estadual.

[2] O Supremo Tribunal Federal proferiu acórdão que homologou acordo firmado entre os estados em audiência de conciliação no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 984, para que o Confaz reconheça, de imediato, a essencialidade do diesel, gás liquefeito de petróleo e gás natural, reconhecendo, porém, a ausência de consenso relativamente à essencialidade da gasolina, de forma que não é possível a interpretação da posição de quaisquer dos estados, seja pela essencialidade, seja pela não essencialidade de tal bem.